sábado, 29 de outubro de 2016

A Nova Religião (por Abbé Henri Stéphane)

Grosseiramente falando, pode-se dizer que a nova religião é a "religião do Homem." Tendo Deus morrido, podemos dizer que é uma religião "ateia". Não tem mais propósito de "religar" homem à Deus, mas os homens entre eles. É também uma "forma" de socialismo ou comunismo.

Paradoxalmente, assume muitas formas, mas isto é apenas uma aparência exterior: o ateísmo e o humanismo permanecem sendo o denominador comum destas diferentes formas. Há, por exemplo, a "fé sem religião", a fé em estado puro, sem conteúdo, sem dogmas, sem ritos; é uma espécie de protestantismo extremo que Lutero ou Calvino vomitariam. Esta "religião sem fé" era, há cem anos, o "formalismo" exterior as pessoas que praticavam sem crer seriamente, ou por razões comerciais. Hoje esta forma tomou outro aspecto: é o 'comunitarismo'. Repete-se ad nauseam aos Cristão que eles formam uma 'comunidade': o batismo os introduz em uma comunidade, como você se inscreve ao Partido Comunista; a Eucaristia não é mais que uma refeição comunitária; o pecado em si é concebido como uma ruptura ou distanciamento da comunidade, e a penitência, como no tempo da Igreja primitiva, é concebido como a reintegração na comunidade, com a diferença que os judeus e os pagãos convertidos ao Cristianismo acreditavam em Deus. Em nossos dias, as virtudes "teológicas" não possuem nada além de um sentido humano: se crê no Homem, se espera o futuro da Humanidade, graças à Ciência e ao Progresso, e se ama o próximo como tal. 

Em tal perspectiva, o Cristo não é mais do que o chefe da comunidade, e é para isso que "Deus morreu em Jesus Cristo". Outros vão mais longe, e não enxergam em Jesus Cristo mais do que um "agitador social". A tese é bastante conhecida para que julguemos útil em insistir. Em tudo isso, não há mais a questão da "vida eterna", e o Reino de Deus não é mais que a "cidade terrestre" a ser construída.

Desta maneira, só o homem importa, seu trabalho e sua ação no mundo. Alguns até mesmo veem nele um continuador da Criação, que Deus não concluiu, mas tal concepção da Criação é totalmente diferente da concepção tradicional, que equivale a negar Deus: se Deus criou o mundo "no tempo", e não continua "criando-o em cada instante", segundo o conceito exato da criação, então Deus não é o "Criador", e negar um de seus atributos equivale a negá-Lo por completo. Em geral, uma cosmologia não-tradicional, por exemplo, a evolucionista, conduz inevitavelmente a uma ideia falsa de Deus, e, por tanto, a sua negação.

Assim pois, sob qualquer forma em que se enfoque, a "nova religião" é essencialmente ateia. Tudo o que é sagrado - considerado pelos defensores da "fé sem religião" como uma sobrevivência do judaísmo e do paganismo - só pode, então, desaparecer rapidamente. Não se vê nestas condições para que se falar de Sacerdócio, da "crise das vocações", do estatuto clerical, etc. Tudo isto está destinado a desaparecer. 

Chegará, então, uma pseudo-religião, a "religião do Homem", cuja existência será tão efêmera como o "reino do Anticristo" nos "fins dos tempos". E sua decadência já está anunciada pelos estruturalista que predizem a "morte do homem". Depois disso, evidentemente, não restará mais do que a "morte do Cosmos", isto é, precisamente o "fim do mundo" que acabamos de mencionar.

É evidente que, se "Deus está morto", pelo menos na consciência do homem, nem a Igreja, nem a religião, nem o homem, nem o mundo, podem "sobreviver muito tempo". Se for objetado que Deus "não está morto" em si mesmo, mas apenas na consciência do homem, e que a relação ontológica entre Deus e a alma imortal não poderia ser afetada por uma "atitude de conhecimento", responderemos que, devido a identidade do ser e do Conhecer, qualquer deterioração na ordem do Conhecimento tem sua repercussão, se não na ordem do Ser enquanto tal, ao menos na ordem da Existência, da qual o Ser é o Princípio.

O homem enquanto ser certamente não pode desaparecer ou ser destruído (o que é expresso de um modo geral na imortalidade da alma), mas enquanto existente em diferente níveis, ou graus de realidade, pode "morrer". Em outras palavras, não é por uma ou outra de suas modalidades que o homem pode morrer: a morte no sentido ordinário não é nada mais do que o desaparecimento da modalidade corporal do homem, assim como a "segunda morte" que fala no Apocalipse (XX, 14) é nada amais do que a desaparição de sua modalidade psíquica, mas o ser do homem não pode morrer.  Se compreende assim que a morte corporal pode ter sido a consequência do "pecado original". Agora bem, tudo o que acabamos de dizer sobre o homem individual se aplica a toda humanidade: no "fim dos tempos" é uma modalidade da humanidade ou da "humanidade atual" que desaparece, e se concebe que esta, chegado a um grau total de ateísmo, - ainda não estamos lá - seja condenada à morte. Em outras palavras, a humanidade total, ao nível do Ser, não pode desaparecer, mas uma humanidade parcial pode morrer, e outra humanidade pode nascer em condições cósmicas muito diferentes evocadas por um "novo céu e uma nova terra" de que fala o Apocalipse; entre os dois, no entanto, estritamente falando, não há continuidade, isto é, segundo o modo que concebemos comumente: não pode haver senão uma continuidade "analógica". 


Um comentário:

  1. Este Blog, de tantos que já visitei, é um dos melhores. Muito obrigado por compartilhar tais pensamentos e escritos.

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