domingo, 13 de março de 2016

René Girard e o Politicamente Correto (por Thomas F. Bertonneau)

Pessoas conscientes chamam o Pós-modernismo de Segunda Realidade, mas também é possível enxergá-lo como uma recorrência evidente à práxis pré-Cristã, que acontece com qualquer comunidade que pensa que pode transcender o bem e o mal, como conhecidos no Evangelho. Desprezando o Evangelho, a esquerda afirma que a utopia é inevitável - assim que os agentes-bloqueadores forem liquidados. O que a esquerda faz é uma inevitável crise sacrificial global, uma vez que os freios restantes dessa crise seja liquidados. Já que o Cristianismo fornece os freios, a liquidação do Cristianismo - o objetivo da desconstrução - garante o inevitável. É, na terminologia de Girard, o "eterno retorno da religião sacrificial." 

Os agentes do politicamente correto e da justiça social nunca se vêem como perseguidores. Eles estão profundamente enredados nas amarras do fecho ritual e da projeção psicológica. Quanto mais eles anatemizam a Revelação, mas profundamente enredados se tornam. Girard aborda novamente o problema em When These Things Begin (2014).  Ele escreve: "A cristalização das tensões do grupo à custa de uma vítima é um processo inconsciente." Um pouco mais tarde ele segue observando que "tornar-se Cristão é, fundamentalmente, perceber que não é apenas as outras pessoas que possuem bodes expiatórios", e lembra seus leitores "que os dois maiores Cristãos, Pedro e Paulo, foram dois perseguidores convertidos", que, "antes de sua conversão... pensaram que não tinham nenhum bode expiatório."  Uma vez que a mentalidade moderna rejeita a religião como algo essencialmente não sério - não esquecendo que retoricamente exaltam qualquer religião exceto o Cristianismo por sua singularidade enriquecedora - tendem a ver rituais como demonstrações folclóricas. "Rituais não só são, como as vezes afirmam, meras pantomimas de reconciliação, uma espécie de 'acontecimento' inofensivo pelo qual os membros do grupo reforçam seus sentimentos de pertencimento". No caso dos rituais, Girard argumenta, "estamos falando sobre a cultura humana naquilo mais forte e poderoso". O Cristianismo, para Girard, é uma massiva dispensa de de-ritualização: "O Cristianismo nos ensina que o mecanismo essencial da condição humana é baseada numa mentira, uma espécie de mentira que é incompreensível por aquilo que os filósofos chamam de o 'encerramento da representação'." 






Depois dos massacres em Paris em novembro de 2015, ou em qualquer perpetração semelhante, os porta-vozes do establishment ocidental disputaram para deturpar o caráter e a causalidade do evento - isso que Girard entende por "a mentira". Claro, uma necessidade apavorada para fazer um evento incompreensível indica que, para aqueles que deliberadamente tentam isso, seja, em verdade, bem compreensível. Este tipo de obscurantismo anti-intelectual só esteve disponível desde a pontuação histórica do Evangelho, mas surgiu em plena articulação muito recentemente, pertencente aos últimos duzentos anos e atingindo uma intensidade nas últimas décadas. Os Cristãos medievais perseguiram abertamente os judeus sem qualquer moral distorcida; eles não sentiam necessidade de uma retórica justificadora além da acusação mítica que os judeus tinham causado a peste por envenenar os poços.  Os esquerdistas precisam de vítimas, mas não querem ser identificados como algozes;  nem pensam em si mesmo como, ou desejam serem visto, sob disfarce religioso. Sob a rubrica de desconstrução os esquerdistas realizam rituais retóricos previsíveis para justificar os rituais práticos efetuados pelos seus proxies virtuais. O fato de que os esquerdistas sabem que seu empreendimento camuflador não é suficiente apenas redobra seu pânico. 

Girard afirma que: "A nossa era já vive ou se prepara para sobreviver o colapso das três tentativas mais poderosas para substituir a religião." O Nacional Socialismo era uma tentativa nesse sentido; O marxismo foi a segunda. "Um terceiro colapso se aproxima", Girard afirma; ele é "o colapso das democracias capitalistas, o que seria o fracasso do cientificismo, das nossas tentativas de amenizar os problemas da humanidade com uma falsa objetividade, uma espécie de higiene física e mental, ao modo do 'capitalismo selvagem' e da psicanálise." Girard tem um estilo casual, mas ele sempre escolhe as palavras com cuidado. Sua caracterização da modernidade como um regime de "higiene" tem uma conexão com sua caracterização dos pogrons anti-judaicos medievais na Idade Média em The Scapegoat como tentativa de buscar termos pseudo-racionais para justificar um ato que está lentamente se tornando perceptivamente grotesco. Ao comentar sobre o relato de Guillaume de Machaut do século XV, sobre a peste e perseguições, Girard comenta que é um romance foi fabricado, baseado nos Gregos, "épidymie" de Guillaume. A expulsão dos judeus das aldeias francesas, como a expulsão de Édipo de Tebas, purificou a comunidade de sua aflição. Os esquerdistas pensam que ainda podem realizar a utopia da igualdade, expulsando todo o pensamento dissidente - e essa é a razão pela qual eles começam a sacrificar os seus próprios.  

O esquerdismo pode ser muito bem um "Cristianismo desviado", afirma Girard. Portanto, "mesmo se a instituição do Cristianismo foi, em uma escala local, o instrumento ou instigador das caças às bruxas, o Cristianismo é o verdadeiro destruidor de tais práticas, pois faz seres humanos conscientes da natureza arbitrária da bola de neve persecutória que conduz à violência." Um "Cristianismo desviado" é, no entanto, um Cristianismo parcial, tomando um único elemento, inflando-o à supremacia, e abolindo todos os outros. O esquerdismo leva a frase teológica "os últimos serão os primeiros" como a única frase em funcionamento em todo o Evangelho, descontextualizando-a e fazendo dela uma agenda de retificação baseada no ressentimento. O esquerdismo, dessa forma, toma para si um motivo Cristão - que somente possui sentido relação com os outros motivos Cristãos - para encenar uma paródia agonizante de retidão moral. O esquerdismo é cultura-em-dissolução tentando desesperadamente se reconstituir, enquanto luta loucamente para criar um novo mito de fundação. Ao descrever a maneira pela qual a crise sacrificial original resolveu-se espontaneamente na imolação da vítima, Girard descreve perfeitamente o regime contemporâneo do politicamente correto. O politicamente correto sacraliza seus inimigos-vítimas. 

Em When These Things Begin Girard diz para Michel Treguer que "a sacralização transforma a vítima em modelo de uma imitação e contra-imitação estritamente religiosa." Onde a mentalidade esquerdista vê o "alien" interno - a presença intolerável do "racista", "sexista", "homofóbico" ou "islamofóbico" - como um algoz ímpio e portanto, também, como o instigador da crise geral, ela responde, em primeiro lugar, anatematizando tudo o que pertence ao Gestalt da vítima. No âmbito do sagrado, Girard explica, "todos... tomam cuidado para não imitar o que a vítima fez, ou apareceu fazer, para desencadear a crise... o grupo se divide e separa seus membros por meios de tabus." Os inúmeros códigos de anti-racismo, anti-sexismo, e todos outros, exemplificam o ethos da "contra-imitação". Ao regularizar os tabus naquilo que consideram externos ao que é "correto", os esquerdistas se esforçam para ter à mão uma quantidade de vítimas prontas, que possam ser colocados na praça da cidade no momento. 


De que maneira, entretanto, os defensores e praticantes do politicamento correto imitam suas vítimas? Aqui a ideia de "privilégio" entra em jogo. O inimigo alienígena possui um "privilégio" de forma ilegítima. O item, portanto, está fora das categorias morais; sua posse só é moral por um possuidor injuriado. Qualquer pessoa justa, assim, pode ter tal posse. Uma apropriação justa, de fato, redime a possessão. Neste esquema, Pedro pode ser demitido de seu cargo de autoridade por ter transgredido um tabu, enquanto João, que pertence ao lado justo da fronteira moral, pode alegremente assumir o escritório de Pedro, adquirindo e santificando a autoridade anteriormente abusada de Pedro. Não surpreende que o politicamente correto tem se mostrado extremamente eficaz, o que impulsa a sua intensificação de restrições, quando o número de prêmios atrativos prováveis diminui.  O mais recente dispositivo do politicamente correto alcança o nível da aldeia medieval da Sicília, onde a viúva enrugada, com uma verruga no nariz, pode ser linchada com impunidade. Uma "microagressão", que a esquerda agora descreve como um verdadeiro épidymie, é o malocchio ou "mau olhado" que qualquer "desconforto" imaginado pode ser atribuído por qualquer atribuidor prejudicado, com consequências devastadoras para o lado do atribuído. Os reivindicadores da ofensa pelo malocchio tem certeza que inúmeros indivíduos imediatamente imitarão sua postura "ofendida". Uma vez que a totalidade do ethos pós-Cristão é um retorno não apenas para ao comportamento pré-Cristão mas para modelos pré-Pagãos, ninguém deveria ficar chocado com a re-invenção da casualidade mágica pré-histórica pelo esquerdismo.

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