quinta-feira, 2 de abril de 2015

Situando a Psique (por William Stoddart)

A Constituição tripartite do Homem


“Psicologia” significa literalmente “ciência da alma”. Como, então, se deve situar a “alma” metafisicamente? 


De acordo com a metafísica tradicional (seja Vedântica, Grega, Medieval, Islâmica ou outra), a constituição do homem é tripartite: ou seja, Espírito (ou Intelecto), alma e corpo.

O Intelecto (o Espirito) é a faculdade que permite o homem conceber o Absoluto. É a fonte de sua capacidade de objetividade e de sua habilidade de – ao contrário dos animais – livrar-se do aprisionamento na subjetividade; é a própria definição do estado humano. Como Frithjof Schuon mais de uma vez disse: “O Intelecto pode conhecer tudo aquilo que é conhecível”. Isto por que o Conhecimento-do-Coração ou gnosis é inato, e está totalmente presente dentro de nós num estado de virtualidade. Essa virtualidade deve ser realizada e este processo corresponde a doutrina Platônica de “reminiscência” que, em última análise, é a mesma da prática cristã de “lembrança de Deus” (memoria Dei). “O Reino dos Céus está dentro de ti”.

O Intelecto e o Espírito são dois lados da mesma moeda, o primeiro pertencente ao teórico ou intelectual, e o último pertencente a prática ou espiritual. Eles pertencem, respectivamente, ao modo de conhecimento objetivo (ou discriminativo) e o subjetivo (ou contemplativo). 


Os três elementos ou “níveis” na constituição do homem pode ser representada como se segue:

Português
Inglês
Latim
Grego
Árabe
Espírito (Intelecto)
Spirit (Intellect)
Spiritus (Intellectus)
Pneuma (Nous)
Ruh (‘Aql)
alma
soul
anima
psyche
nafs
corpo
body
corpus
soma
jism

O Espírito ou Intelecto, com suas duas “faces”, criada e incriada, é supra-formal ou universal, e é diretamente tocado pelo Divino; É o único elemento supra-individual, “arquetípico”, ou objetivo na constituição do homem. A alma, ao contrário, é formal e individual. O Espírito é, portanto, a “medida” da alma; a alma nunca pode ser a “medida” do Espírito. O erro fundamental dos psicanalíticos como o Jung é sua incapacidade de distinguir entre a alma e o Espírito e, consequentemente, na prática, ocorre a eliminação efetiva do Espírito. Dessa maneira, de uma só vez é abolido a própria base da objetividade e, ao mesmo tempo, da espiritualidade. O caos e o dano resultante desse ato de cegueira, fatal e anti-Platonico, é incalculável. Nós somos deixados num reino satânico onde tudo (verdade, moralidade, arte) é relativo. Apenas as filosofias antigas – os sistemas tradicionais de conhecimento – pode se opor a esse erro moderno da psicologia e dos cultos new age.

Deve-se entender que o termo “Intelecto” aqui é utilizado no senso Eckhartiano (aliquid est in anima quod est increatum et increabile “Existe algo na alma que é incriado e incriável). Deve ser dito de uma vez por todas que não existe uma barreira impenetrável entre o Intelecto e a mente: a relação do primeiro com o último é como a relação do centro do círculo com a circunferência ou como o pináculo do cone com sua base circunferencial. Falando metaforicamente, a maioria dos filósofos desde o fim da Idade Média, somente se preocuparam com a circunferência ou a periferia, com pouco ou nada de transcendente em seus pensamentos.  Assim, o transcendente (que anteriormente se sabia ser acessível através de revelação ou intelecção) foi tachado como um mero “dogma” ou “superstição”. O resultado tem sido uma tumultuosa dégringolade – desde Descartes, através de Kant, aos “filósofos” narcisistas dos dias atuais – conhecida como “história da filosofia”! Uma interrupção milagrosa dessa descida decadente foi dada pelos Platonistas de Cambridge do século 17. Fora esses “milagres”, o processo parece ser irreversível; as palavras de Virgílio nunca foram tão apropriadas: Facilis descensos Averno; sed revocare gradum, hic ops, hic labor est! (“A descida ao inferno é fácil; mas, para voltar a nossa trilha e subir, isso é um trabalho duro!”)

Infelizmente, a descuidada linguagem moderna confunde “intelectual” com “mental” ou “racional”. De fato, diferentemente do Intelecto que se encontra “acima” da alma, a mente ou a razão é um conteúdo da alma, assim como outras faculdades humanas como: vontade, afeição ou sentimento, imaginação e memória. Então: 














A teologia “ordinária” distingue entre Deus e homem e, dentro do homem, entre alma e corpo. Assim, imediatamente, temos três “níveis”: Deus, alma e corpo. A teologia mística, por outro lado, faz uma distinção dentro do próprio Deus, entre “Deus Supremo” e “Deus”, entre “Essência Divina” e “Deus Criador”, entre “Deus Impessoal” e “Deus Pessoal”, ou entre “Supra-Ser” e “Ser”. A Essência Divina e Deus Criador constituem o primeiro dos cinco “níveis”; cada um desses dois elementos é Divino e Incriado. A alma e o corpo é o quarto e o quinto nível; esses são humanos e criados. Ainda resta o nível terceiro ou intermediário, e esse é o Espírito ou Intelecto.  Os termos “criação” e “criado” são sinônimos com os termos “manifestação” e “manifestado”, respectivamente.

Esses “Cinco Níveis de Realidade” ou “Cinco Presenças Divinas”, juntamente com seu significado e suas relações, estão indicados na tabela abaixo: 

A Doutrina do Logos
Frithjof Schuon elucida a doutrina do Logos da seguinte maneira:

A Divindade é absoluta, a criação é relativa. Todavia, dentro do Absoluto (ou a Divina Essência), já existe uma prefiguração do relativo, e este é o Deus Pessoal (ou o Criador). Essa prefiguração da criação dentro do Incriado é o “Logos Incriado”. 


Além disso, dentro da criação, que é relativa, existe uma reflexão do Absoluto, e essa é o Espírito ou o Intelecto. Esta reflexão do Absoluto dentro do relativo (ou do Incriado dentro do criado) se mostra em coisas como Verdade, Beleza, Virtude, Símbolo e Sacramento. É também manifestado como Profeta, Redentor, Tathagatha, Avatara. Essa reflexão do Absoluto é o “Logos criado”. 


Sem o Logos (e suas duas “Faces”, criada e incriada), nenhum contato entre o homem e Deus seria possível. Esta parece ser a posição dos Deístas. Sem o Logos, haveria um dualismo fundamental, e não uma “Unidade” (ahadiya) como os Sufis chamam, ou “Não-dualismo” (advaita) como os Vedantistas chamam. A doutrina e o papel do Logos pode ser expresso em um diagrama como se segue:

As espiritualidades ou misticismos de todas as grandes religiões ensinam que é unindo-se (através de oração e sacramento) com o “Logos criado” que o homem alcança a união com Deus.


William Stoddart - Situating the Psyche

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