domingo, 20 de abril de 2014

Um Adeus à Filosofia (Por Emil Cioran)

Afastei-me da filosofia quando se tornou impossível encontrar em Kant qualquer fraqueza humana, qualquer traço autêntico de melancolia; em Kant e em todos os filósofos. Comparado com a música, o misticismo e poesia, a atividade filosófica procede de um impulso reduzido e uma profundidade suspeita, prestigiado apenas pelos tímidos e os medíocres. Além disso, a filosofia - ansiedade impessoal, refúgio entre ideias anêmicas - é o recurso de todos os que se iludem com a exuberância corruptora da vida. Quase todos os filósofos chegaram a um bom final: eis o argumento supremo contra a filosofia. Mesmo a morte de Sócrates nada tem de trágica: é um mal-entendido, o fim de um pedagogo - e se Nietzsche naufragou, foi como um poeta e visionário: ele expiou seus êxtases e não seus argumentos.

Não podemos enganar a existência com explicações, só podemos suportá-la, amá-la ou odiá-la, adorar ou temer, nessa alternância de felicidade e horror que expressa o próprio ritmo do ser, suas oscilações, suas dissonâncias, brilhantes ou amargas.

Expostos pela surpresa ou necessidade de uma derrota irrefutável, quem em seguida, não levanta as mãos em oração, apenas para que os deixe cair em um vazio ainda maior pelas respostas da filosofia? Parece que a sua missão é proteger-nos contanto que a negligência do destino nos permita continuar no limiar do caos, e nos abandonar assim que somos obrigados a mergulhar no precipício. E como poderia ser de outra forma, quando vemos o quão pouco do sofrimento da humanidade passou para filosofia? O exercício filosófico não é fecundo; é apenas honroso. Somos sempre filósofos com impunidade: um métier sem destino que derrama pensamentos volumosos em nossas horas neutras e vagas, as horas refratárias ao Antigo Testamento, a Bach, e até Shakespeare. E ter estes pensamentos materializados em uma única página que é equivalente a uma das exclamações de Jó, dos terrores de Macbeth, ou a altitude de uma das cantatas de Bach? Nós não discutimos o universo; nós expressamos. E a filosofia não expressa. Os verdadeiros problemas começam só depois de distanciados ou esgotados, depois do último capítulo de um enorme volume que aponta o período final como uma renúncia diante do Desconhecido, em que todos os nossos momentos estão enraizados e com o qual devemos lutar, porque é naturalmente mais imediato, mais importante do que o nosso pão de cada dia. Aqui o filósofo nos deixa: inimigo do desastre, ele é são como a própria razão, e como prudente. E continuamos na companhia de uma vítima de uma velha praga, de um poeta que aprendeu em cada loucura, e de um músico cuja sublimidade transcende a esfera do coração. Começamos autenticamente apenas onde a filosofia termina, no seu naufrágio, quando compreendemos sua terrível nulidade, quando compreendemos que era inútil recorrer a ela, que é nenhuma ajuda

(Os grandes sistemas são, na verdade, não mais que tautologias brilhantes. Qual vantagem de saber que a natureza do ser consiste na "vontade de viver", na "ideia", no capricho de Deus ou na Química? O detestável abraço verbal, e nossas experiências mais íntimas, nos revela nada além do momento privilegiado e inexprimível. Além disso, o próprio Ser é apenas uma pretensão do Nada.

Nós definimos somente por desespero. Temos de ter uma fórmula, é preciso ainda ter muitas, apenas para dar justificação para a mente e servir como uma fachada do vazio.

Nenhum conceito ou êxtase são funcionais. Quando a música nos mergulha na "interioridade" do ser, nós rapidamente regressamos à superfície: os efeitos da ilusão se dispersam e nosso conhecimento admite sua nulidade.

As coisas que tocamos e aquelas que concebemos são tão improváveis quanto nossos sentidos e nossa razão; temos certeza somente no nosso universo verbal, manejável à vontade e ineficaz. Ser é mudo e a mente é tagarela. Isso é chamado de conhecimento.

A originalidade do filósofo trata apenas de termos inventados. Uma vez que existem somente três ou quatro atitudes que nos permite confrontar o mundo - e sobre as maneiras de morrer - as nuances que multiplicam e diversificam elas derivam não mais do que uma escolha de palavras, desprovidas de qualquer intervalo metafísico.

Estamos imersos em um universo pleonástico, em que as perguntas e respostas equivalem à mesma coisa)

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