domingo, 9 de março de 2014

Crenças Antigas e Superstições Modernas: A Busca pela Autenticidade (por Rama P. Coomaraswamy)

O maior problema enfrentado por aqueles que acreditam na possibilidade da verdade, e que partiram para buscá-la a sério, é a ausência - ou pressuposta falta - de quaisquer critérios para saber se o que encontramos é a coisa real. Algumas grandes religiões e entre 5 a 20 mil cultos, todos oferecendo várias opções e que são frequentemente exclusivos, como é que vamos escolher, ou mais precisamente, discernir? Preso como estamos na armadilha de Maya ou como um católico colocaria, com os nossos intelectos feridos e nossas vontades enfraquecidas pela queda de Adão, como podemos, por nós mesmos e sem ajuda externa, ter a certeza de que estamos evitando ilusão? É claro que podemos adotar a posição dos céticos e desistir da luta. Mas, deve-se lembrar o brilhante ditado de Platão, "o ceticismo é fácil, a incredulidade é para a plebe." Mas para aqueles que ainda não estão intelectualmente mortos, a questão ainda permanece: com que autoridade é que vamos viver e morrer? Existem autênticas fontes de verdade, ou a verdade é verdade simplesmente uma questão de nossos próprios instintos, nossas experiências psicológicas que funcionam para nós?

O primeiro problema a ser enfrentado é saber se a verdade é uma entidade subjetiva ou objetiva. Existe tal coisa como uma verdade objetiva -  que sempre foi e sempre será a mesma - imutável e constante - portanto, uma verdade que absoluta? Dessa maneira, as palavras possuem ou não significado. Se a verdade é apenas uma questão de gosto pessoal, se alguém está convencido de que toda a realidade é relativa, não há qualquer sentido em continuar seja a discussão ou busca. Este está preso no círculo vicioso de proclamar que a única verdade é que não há verdade.

Em última análise, temos apenas três possíveis fontes de autenticidade. Temos os Antigos Ensinamentos que estão -  assim assumo - incorporados nas grandes tradições religiosas do mundo. Temos os nossos próprios instintos ou a experiência psicológica, como verdade. E nós temos uma mistura desses dois extremos. Ou aceitamos critérios objetivos, ou aceitamos critérios subjetivos, ou também podemos criar uma mistura que, por alguma razão ou outra, descobrimos que seja pessoalmente satisfatória. Esta última, não é preciso dizer, também é subjetiva.

Somente quando aceitamos a possibilidade da verdade objetiva que podemos olhar para os Antigos Ensinamentos como uma possível autentica fonte. Infelizmente, vivemos em uma época muito supersticiosa. A chamada "idade das luzes", uma frase que certamente agrada a homem atual - é mais apropriadamente descrita pelos Antigos Ensinamentos como o Kali Yuga, a idade das trevas, ou a na terminologia católica, "os últimos dias." Isso nos leva a duas das mais poderosas superstições, as quais aceitamos - de fato elas poderiam serem chamadas de "dogmas" da modernidade - a evolução e progresso. A maioria desses estão convencidos de que a humanidade tem evoluído ao longo dos séculos e continua a evoluir a cada geração. Nós não consideramos nossos antepassados como primitivos, atrasado se supersticiosos? A própria palavra "supersticioso" nos faz pensar em um camponês medieval europeu manuseando seu rosário antes de algum santuário milagroso de Madonna, ou a de um brâmane hindu que recusa o acesso dos párias ​​aos recintos do templo. A última pessoa que pensaríamos como supersticiosos é um professor de Harvard ou um cientista importante.

O problema de ser supersticioso é que ela tende a nos cegar para a verdade. Se estamos convencidos de que algo falso é verdade, dificilmente procuraríamos além de seus limites por uma fonte de autenticidade. Se formos procurar nos Antigos Ensinamentos, consagrados nas grandes tradições religiosas do mundo, uma possível fonte de verdade autêntica e objetiva, a primeira coisa que devemos fazer é abandonar a nossa moderna e supersticiosa crença no progresso e na evolução. Como veremos, há uma série de outras crenças supersticiosas que também devem ser abandonadas. Entre estes estão incluídos nossa visão moderna da natureza do homem, nossos falsos conceitos igualitários, os nossos ideais socialistas e utópicos, nossas atitudes familiares, os nossos códigos morais, ou melhor, amorais, a nossa crença na ciência, e nossa atitude para com a religião.

Lembro-me bem de como meus amigos universitários - e mais tarde, alguns dos meus colegas profissionais - me encararam por ser Católico. Fui acusado de não pensar por mim mesmo. A ideia de que é uma coisa boa pensar por si mesmo é outra superstição moderna. A fim de esclarecer melhor a questão, gostaria de pedir-lhe que imagine uma sala de aula de estudantes de matemática dizendo ao professor que não concordou com as suas respostas, porque eles estavam fazendo matemática "por si mesmo." Não, pensar por si mesmo não é uma coisa saudável a se fazer. O que temos de fazer é aprender, não a pensar por nós mesmos, mas a pensar corretamente. É a função dos Antigos Ensinamentos nos ajudar a fazer exatamente isso, mas é preciso trabalho e disciplina. Nós, claro, temos a liberdade de pensar por nós mesmos - podemos pensar da maneira que quisermos. Mas não temos o direito de fazer isso, pois o erro nunca teve direito. Como o assassinato: somos livres para matar qualquer um que queremos, mas certamente não temos o direito de fazê-lo.

Já não acusam os religiosos por não pensar por si mesmos. A alegação atual é que eles se permitiram uma lavagem cerebral. Lavagem cerebral implica que os pensamentos e atitudes podem ser influenciadas, quando não controladas, por forças externas. Ambos, as religiões e os cultos - não falando de sistemas políticos - são acusados ​​de usar várias técnicas para que isso aconteça. Aqueles que aderem aos Antigos Ensinamentos, incorporados nas grandes tradições religiosas em sua integridade, permitiram-se uma lavagem cerebral? Antes de responder esta pergunta, permita-me ressaltar que estamos todos, em algum grau, sofrendo lavagem cerebral. Todos os dias as nossas mentes são bombardeados pela mídia, pela televisão, por romances populares e por aqueles com quem estamos em contato diariamente. Não tenho dúvidas que a maioria, se não todas, entidades adotam um ponto de vista anti-religioso, liberal-humanista, socialista, e mais ou menos cético-ateu. Além disso, o estresse da vida moderna é tal que, no pouco tempo livre que nos resta, muitos de nós ficamos expostos aos meios de comunicação de uma forma completamente passiva e não crítica. Nós, em outras palavras, deixamos que o apresentador do noticiário, os políticos e os escritores de best-sellers nos diga como pensar, e orgulhamo-nos de que estamos a pensar por nós mesmos. Se nós não vemos isso como lavagem cerebral, é porque essas fontes agradam os nossos egos, consideramos as tolices oferecidas como algo aceitável e agradável. Por outro lado, uma mãe que ensina sua fé ancestral para seus filhos e o brâmane que insiste na pureza ritual e nas restrições de casta também são culpados de lavagem cerebral. Mas, neste caso, muitos consideram o processo altamente censurável.

Vamos por um momento considerar nossos próprios níveis de escolaridade. Que formação trazemos de nossas casas? A maioria dos pais de hoje passaram por uma lavagem cerebral tão eficaz pelo ethos liberal e agnóstico de nossos tempos que já não possuem e portanto, não podem transmitir, qualquer sistema de valor ou conjunto de crenças fixas a seus descendentes - a não ser, é claro, que você considere o sucesso material como um sistema de crenças. E assim é que a maioria das crianças saem de casa com uma espécie de tabula rasa, ou pior, com uma crença no mundo da televisão. De acordo com estatísticas publicadas, todos os sábados de 16 milhões e meio de crianças passam uma hora e meia assistindo Graystone ou Tartarugas Ninjas. Os sociólogos chamam a televisão de “terceiro pai." Infelizmente, muitas vezes é o único pai.

Dessa forma, é com um grande alívio que as crianças são enviadas para a escola. É aqui que a lavagem cerebral formal é iniciada. O processo começa no jardim de infância, onde os meninos são mandados a brincar com bonecas e as meninas com espadas - isso, para - utilizando o jargão da psicologia moderna - "ensiná-los a evitar estereótipos." Através de uma variedade de técnicas como o "esclarecimento de valores", eles são ensinados a rejeitar os valores do seus pais - assumindo que estes possuam algum - de forma que desenvolva por si mesmos, geralmente os do professor ou aqueles que estão sendo promovidos por várias agências governamentais. Este processo é chamado de "desenraizamento". Ao longo dos próximos dez anos eles são ensinados a serem pequenos bons evolucionistas, socialistas, e como utilizar o dom do sexo sem responsabilidade. E então, eles vão para a faculdade, que é a condição sine qua non para ter o mínimo de um sucesso econômico. Mais uma vez, eles pagam um preço alto - preço a ser pago é maior do que as taxas de matrícula - que é a sujeição de nossas mentes a outro processo de doutrinação. Como meu pai disse uma vez - e isso na década de quarenta - é quase impossível alguém se formar na faculdade sem severo grau de deficiência intelectual.

E por isso para a pergunta: os seguidores religiosos passaram por uma lavagem cerebral? Acho que a resposta a esta pergunta deve ser formulada em termos de "pensar corretamente" e de abraçar "valores corretos." Se os Antigos Ensinamentos são uma autêntica fonte de verdade, e se tornam nossos, então somos como o aluno de matemática que aprende a calcular corretamente. Esse aluno não sofreu uma lavagem cerebral, porque ele sabe como fazer suas somas corretamente. A verdade, ou nossa submissão a ela, e o nosso "tomar ela para si", é, em última análise, a nossa única proteção contra tanto a lavagem cerebral quanto a auto-ilusão.

II
O homem não vive em um vácuo. Todo mundo, até mesmo o ateu convicto, tem o que podemos chamar de um "sistema de crença", ou seja, uma série de convicções que determinam como ele vive sua vida. Agora, cada sistema de crenças pode ser caracterizada por três coisas: pelo seu "credo", ou pelo que se acredita, pela seu "culto" ou sua forma, e pelo "código" ou regras para o comportamento que pratica ou defende.
Vamos considerar o sistema de crença - o credo, culto, e as regras - do graduado universitário médio. O que ele acredita? Eu acho que é justo dizer que ele está convencido de que não existe tal coisa como verdade absoluta, que toda verdade é subjetiva e, portanto, relativa. Por isso, é que, na linguagem comum, ele não diz "eu sei", mas apenas "eu sinto" que algo seja verdade. Ele acredita que a evolução é uma lei da natureza aplicável a todos os campos de experiência. Tudo evolui, não só o homem, mas o conhecimento, a sociedade, e até mesmo Deus! Lembro-me de meu filho de seis anos voltando para casa da escola e me dizer com orgulho que já não acreditava em Deus! Perguntei-lhe o que ele acreditava em seguida, e ele respondeu: "E ... oh, como se diz aquela palavra?" Felizmente pude convencê-lo do contrário. Mas a evolução é inculcada na mente de nossos filhos desde o berço. Alguma vez você já assistiu um programa sobre natureza? As fotos são maravilhosas, mas a mensagem é dirigida várias vezes. Tudo, desde as listras do tigre até o pescoço da girafa evoluiu. Toda criança sabe quem Darwin é. Quanta delas já ouviram falar de Gautama, o Buda ou de João Batista?

A evolução é, claro, um absurdo de ambos pontos de vista científico como filosófico. Do ponto de vista científico: não há absolutamente nenhuma prova a favor da evolução, todas as provas são contra ela. Na geologia, na biologia, na genética e todas as outras disciplinas científicas falam sobre a fixidez das espécies e a impossibilidade do transformismo. Não foram encontrados formas intermediárias entre as espécies. Fala-se muito de "elos perdidos." O problema com as ligações em falta é que eles estão em falta! Acreditar na evolução é acreditar que a maior pode sair do menor, é acreditar que a energia pode ser criada em sui generis, é acreditar que as coisas acontecem "por acaso" no sentido de que o acaso é uma possibilidade aleatória. A teoria das probabilidades nos diz que a chance de um passo evolutivo ocorrendo é tão remoto quanto ser impossível. No entanto, os evolucionistas nos dizem que muitas dessas etapas ocorreram. A coisa mais surpreendente sobre a evolução é que os cientistas que admitem tudo isso, continuam a acreditar na evolução - eles são verdadeiramente homens de profunda - mas cega - fé. Não é o caçador, mas o homem moderno, que acredita nas forças cegas da natureza, que deveria ser rotulado de animista!

Filosoficamente, a evolução também é um absurdo. Se fosse verdade, seria tão impossível que o homem saísse da corrente evolutiva, a fim de examinar o processo que "desenvolveu" ele como seria para um computador para analisar o criador. Como o filósofo de Oxford, Sir Karl Popper, aponta: “Se o Darwinismo é correto, então qualquer teoria é mantida por causa de uma certa estrutura física daquele a suporta - talvez seu cérebro. Assim, estamos enganando a nós mesmos e somos fisicamente determinados de tal modo que sempre cremos que existam tais coisas como argumentos ou razões para qualquer coisa. Condições puramente físicas, incluindo o nosso ambiente físico, fazem-nos dizer ou aceitar qualquer coisa que afirmamos ou aceitamos.”

Na teoria da evolução está implícita a negação do livre-arbítrio. Como Huxley aponta: "a proposição fundamental da evolução" é que "o mundo inteiro, vivo e o não vivo, é resultado de uma interação mútua, de acordo com leis definidas, de forças em poder das moléculas das quais a nebulosidade primitiva do universo era composta." Afinal, como pode "algo" - note, eu não disse "alguém", - que é produto de leis rígidas, leis que controlam o desenvolvimento futuro e que não tem liberdade para sair do processo evolutivo - como pode esse "algo" agir independentemente dessas leis? Como pode esse "algo" ter livre-arbítrio? O evolucionista Jonas Salk admite isso. Ele abertamente admite que sua vacina contra a poliomielite trabalha contra o processo evolutivo da seleção natural. A única maneira que ele pode explicar o seu esforço para desenvolver esta vacina é que ele foi geneticamente programado para fazê-la. Aqui deparamo-nos com mais um enigma, curiosamente partilhado também pelos socialistas, para esses a evolução toma forma de um determinismo histórico. Se a vida do homem é determinada pela evolução ou pela história, como pode ser ele "livre"? No entanto, ambos os evolucionistas e os deterministas históricos proclamam que o homem é livre para ajudar o processo em sua maneira para a perfeição e para uma utopia terrena. Os socialistas vão ainda mais longe. Eles punem o homem por sua falha em fazer isso, e em nome de sua idealização socialista mataram milhões a mais do que todas as guerras dos últimos três séculos.

Pensar desta maneira, como o psiquiatra Karl Stern disse: "é uma loucura", no sentido que os esquizofrênicos descompensados ​​são loucos. Tenho chamado a evolução de uma superstição, mas, na verdade, é o grande pai de todas as superstições modernas. Permitam-me dar-lhe uma definição de "superstição" tirado de uma edição mais antiga do Novo Dicionário Internacional Webster:

Um estado irracional abjeto da mente... proveniente da ignorância, medo irracional do desconhecido ou da escrupulosidade mórbida misteriosa, a crença em magia, ou uma religião ignorante, má intencionada ou não esclarecida da natureza... uma ideia irracional fixa, uma noção mantida apesar das evidências em contrário.

Quem são alguns dos "gurus" mais dominantes do mundo moderno, e o que eles acreditam? Freud, Adler, Fromm, Maslow, Rogers e Jung - são ou foram, todos eles, evolucionistas e, conseqüentemente, ateus. Eles nos dizem que o que é chamado de "inteligência" é composto por "razão", a habilidade para lidar com abstrações, a capacidade de aprender e a habilidade de lidar com situações novas. Um enorme esforço é gasto na tentativa de provar que os animais possuem razão - todas essas habilidades podem ser encontradas em formas inferiores de vida. Por isso, não é surpreendente encontrar Darwin nos dizendo que "os animais têm um intelecto de proporções diferentes", e que "as faculdades intelectuais do homem foram, essencialmente, e gradualmente aperfeiçoadas através da seleção natural ..." Da mesma forma, é nos dito que as motivações e crenças do homem têm a sua origem em seu "subconsciente", um termo para o qual existem inúmeras definições e que é melhor definido como uma espécie de "esgoto de memória evolutiva." Mais uma vez, somos informados de que os motivos finais do homem são uma busca de segurança, prazer, ou o que eles chamam de "auto-ativação" através de um encontro de "meta-necessidades". A verdade é o que é verdade para o indivíduo; a beleza é o que lhe dá prazer; o amor é o cumprimento de "impulsos biológicos." Ao custo de negar tanto a lógica como a experiência, tudo o que é qualitativo no ser humano é declarado como geneticamente determinado, ou seja, determinada pela evolução, e, assim, é reduzido ao mensurável, portanto, para a matéria. Tudo cai sob esta égide. Rousseau considerou que o homem selvagem evoluiu para o homem "civilizado". Huxley deu esta progressão a sua bênção científica. "A grande progressão da natureza é a partir do informe à forma - a partir do inorgânico para o orgânico - da força cega ao intelecto consciente e vontade." Se alguém aceita essas premissas, é fácil de ser convencido de que o homem é apenas uma forma mais elevada de matéria e que Super-Homem está a caminho. Aqueles que pensam o contrário são dispensados como "sonhadores" - como se a matéria pudesse sonhar - que, apesar de todos seus esforços, não produzem nada materialmente benéfico.

Vamos deixar uma coisa bem clara. Não se pode acreditar na evolução e ao mesmo tempo acreditar em Deus. Todo cientista e todo teólogo digno de seu salário vai admitir isso. Você vai ouvir falar muito sobre a evolução teísta ou evolução mitigada - a ideia de que Deus opera através da evolução. Se fosse o caso, então Deus estaria muito chateado com qualquer pessoa que interferiu com a seleção natural. Como ousarmos tratar da criança doente ou alimentar os pobres e famintos? Estas são apenas as maneiras da natureza eliminar os mais fracos. Como ousamos parar as guerras, quando essas são tão bem-sucedidas em controlar a explosão demográfica? Vamos encarar os fatos. Seria estúpido orar a um Deus cuja a única resposta a oração teria de ser "deixe que a seleção natural ou o 'equilíbrio pontual' resolva seu problema" Nenhum cientista jamais surgiu com o ideia de que Deus trabalha através da evolução. Teólogos sim. E por quê? Porque eles queriam parecer atualizados e "científicos".

Passei um longo tempo sobre a questão do credo da evolução porque nós nunca vamos olhar para os Antigos Ensinamentos como fonte de verdade autêntica, a menos que abandonemos nossa crença supersticiosa na evolução e progresso. Por definição, nenhum processo evolutivo pode fornecer-nos autenticidade - e com certeza isso é razoável. Afinal de contas, um processo evolutivo é um processo de mudança e tudo o que é espiritualmente autêntico não pode mudar.

Não admira que os Antigos Ensinamentos são unânimes em declarar que toda a criação é o resultado da atividade de Deus e não da evolução. A Igreja insiste em um creatio ex nihilo, e os Vedas ensinam que "ser é gerado a partir de não-ser." E eles são ainda mais claros ao especificar que o homem, a sociedade e, sobretudo, a verdade, não estão sujeitos a qualquer processo evolutivo.

Voltemos ao nosso graduado da faculdade que se vê - na medida em que ele se incomoda a olhar para si mesmo - como feito à imagem de uma ameba. Tendo lidado com suas premissas fundamentais do credo, o que podemos dizer de sua forma de adoração? Para o homem moderno nenhum "culto" - nenhuma forma de adoração - é possível a não ser uma adoração ao materialismo ou, em menor grau, uma adoração ao "eu" a que nos referimos quando chamamos alguém de egoísta. O que há, além do processo evolutivo ou do homem, que é seu maior produto, para adorar? Como disse Karl Marx: "O humanismo é a negação de Deus e a afirmação total do homem." Isso, então, é o alicerce do humanismo moderno.

Finalmente, chegamos ao "código". Aqui, a regra de ouro é a conveniência. Tudo é permitido desde que não chegue a ferir o outro, mas na verdade, o interesse pessoal geralmente tem precedência. Considere o adultério - e, certamente, o adultério não é um fenômeno raro em nossa sociedade. Quando dormimos com a mulher do vizinho, proclamamos que tais atividades consentidas entre adultos não machucam ninguém. Mas o que dizer do ofendido? Ou ainda, afirmamos que o aborto não fere ninguém, e rapidamente dizemos que o feto não é ninguém.

Isso, então, é o "des-credo", o "des-culto" e o "des-código" do homem moderno. Podemos resumi-lo como sendo progressista, evolucionista, antropocêntrico ou centrada no homem e vazio de princípios metafísicos. O que interessa é que tantas grandes entidades religiosas adotaram essa visão weltanschauungor de mundo. Correndo o risco de ofender alguns católicos, deixe-me dizer que são precisamente estes os princípios que o Vaticano II traz consigo e que formam a base sobre a qual a Igreja pós-conciliar descansa. Nos Antigos Ensinamentos - o que os hindus chamam de Sanatana Dharma, o que Santo Agostinho chamou de "Sabedoria incriada, a mesma agora assim como sempre foi e sempre será", são unânimes por ser diametralmente oposto a tais atitudes. Eles não são progressivos, mas sim estáticos, porque enquanto o pecado pode mudar seu estilo, ele nunca pode alterar a sua natureza. Na verdade, eles são anti-progressistas, porque eles sustentam que o homem caiu de seu antigo patamar elevado. Nascido em uma Idade de Ouro, ou no Jardim do Éden, os homens que vivem na Kali Yuga ou nos "últimos dias" são degenerados. Mais uma vez, as grandes tradições são unânimes em declarar que toda a criação é o resultado da ação direta de Deus - ex nihilo, como os católicos colocaram e ""ser é gerado a partir de não-ser.", como os Vedas colocou, e eles são unânimes em proclamar que o homem é criado, não à imagem de uma ameba, mas à imagem de Deus. São todos teocêntricos, em vez de antropocêntricos. Todos ensinam que o homem qua homem nunca pode ser uma fonte segura de verdade, a dignidade do homem não reside em uma auto-validação de habilidades, mas sim de sua adesão à verdade de Deus. Finalmente, todos afirmam e podem demonstrar que eles são baseados em sólidos princípios metafísicos - isto é, lidam com uma doutrina consistente, não só com a experiência condicionada e quantitativa, mas também com possibilidade universal. Os dois extremos são como óleo e água. Não podem ser misturados. Aceitar um, é rejeitar o outro. Em que conjunto fundamental de ideias devemos encontrar a verdade e autenticidade?

III
Observando os Antigos Ensinamentos, vemos que a coisa mais impressionante que todas as religiões têm em comum é a alegação - certa ou errada - de ser baseada em uma Revelação - o que os hindus chamam Sruti. Em algum momento Deus – ou um Avatar - ou um mensageiro, apareceu na terra e deu ao homem um "credo", um "culto" e um "código" específico ou, usando a terminologia oriental, uma doutrina e um método. Além disso, todos asseguram que esta Revelação é consolidada, completa e inalterável. Os Vedas foram consolidados de uma vez por todas. Novos insights sobre os ensinamentos de Buda podem ocorrer, mas o Buda não proporciona a seus seguidores com uma revelação contínua - que evolui e progride com o passar do tempo. Mohammed é chamado de "Selo dos Profetas", pelo qual se entende que ele forneceu as últimas e definitivas revelações na linha de Abraão. Os muçulmanos não esperam que o Arcanjo Gabriel ainda esteja revelando passagens do Alcorão. A Torá pode ser interpretada, mas Moisés não está nos enviando mensagens. De passagem, deve-se notar que nenhum dos grandes fundadores das religiões afirmou descobrir ou revelar novas verdades. Jesus falou de cumprir, não mudar a lei e proclamou que ele ensinou, não a sua própria, mas a doutrina de seu pai. O Buda disse de que ele próprio somente "seguia o caminho antigo", e acrescentou que "quem pretende que eu estou pregando uma doutrina forjada pelo meu próprio raciocínio e argumentação deve ser expulso." Mohammed afirmava estar voltando para a religião de Abraão. E não nos diz Krishna, no Bhagavad Gita, que ele vem para a terra quando o dharma é esquecido?
As religiões têm outro critério em comum. Seus arcos revelados são frequentemente um tanto elípticos - ou parecem ser tais, para nossos intelectos escurecidos na Kali Yuga. Por isso é que as religiões oferecem intérpretes oficiais - sejam eles santos ou sábios. Os hindus têm o que é chamado smriti, bem como os escritos de tais indivíduos como Shankaracharya - para não falar do Guru Kanchi que é seu descendente vivo. Os muçulmanos têm os comentários sobre o Alcorão como os de Ibn Arabi e Al-Ghazali. Os judeus têm os Haftoras e também os Rebbes - aqueles autorizados a dar interpretações. Os cristãos têm Padres da Igreja, os Doutores e o que é chamado "Ensinamento do Magistério." E o que caracteriza a autenticidade em todas estas fontes vivas é que seus ensinamentos, de modo algum divergem do seus predecessores e, em última instância, de forma alguma afasta-se da revelação original.

Um outro aspecto da Revelação é "culto".  As formas de culto em uma religião nunca são criadas pelo homem. São determinados por Deus ou pelo seu representante. Considere o agnihotraor - o sacrifício de fogo védico. Você pensa que foi feito por alguns velhos numa floresta - o que hoje seria chamado de consilium de teólogos - querendo enganar os pobres camponeses tendo em vista o suado dinheiro deles, ou para apaziguar os raios? E o mesmo é verdade para as orações utilizadas pelos muçulmanos e para a verdadeira e antiga Missa Católica

Da mesma forma em relação ao "código." Foi o próprio Cristo que determinou que o divórcio era proibido aos seus seguidores, embora permitido aos judeus. A prática de Mohamad e suas decisões judiciais, juntamente com o Alcorão constituem a base para a lei muçulmana. As leis do Homem não foram reunidas por uma conferência de empresários, advogados e políticos.

A própria palavra "religião" significa aquilo que "se liga", aquilo que nos liga à Origem e ao Centro. É por isso que uma religião intacta é sempre tradicional, por tradição entende-se passar à frente. E o que é passado à frente que não seja a revelação original? Portanto, todas as religiões falam de "ortodoxia" e "heresia"- oh, como nós modernos odiamos essas palavras!

"Ortodoxia" é definido como a fé pura - aquela que está em conformidade com a revelação original. Heresia é um distanciamento disso, o resultado de selecionar e escolher o que vai ou não vai acreditar. Heresia, como os budistas dizem, é como "um verme no coração de um leão."

Outro fato importante é que não existem doutrinas secretas nas religiões. Existem ensinamentos que não estão prontamente disponíveis, ou que foram formulados em meios obscuros, de modo que evite "lançar pérolas aos porcos", mas eles não são secretos como tal. Todos os textos sagrados dos hindus foram publicados, você pode ter que aprender sânscrito, mas eles não estão escondidos. É claro que é necessário certas coisas para acessar essas fontes: esse alguém precisa possuir certas qualificações intelectuais e morais; esse precisa de orientação e, portanto, um guru; esse precisa de uma iniciação, que é um ato ritual que o liga ao Avatar ou ao fundador da religião e ultimamente a Deus. Agora, se isso ofende nossos preconceitos igualitários, permita-me perguntar se você permitiria que uma pessoa que não treinou com um professor qualificado executar uma cirurgia em você. Eu duvido. Certamente, há textos e descrições anatômicas de operações publicados na literatura médica, mas ainda é necessário certas qualificações, orientações e treinamentos para acessá-los. Por que a religião deveria ser diferente?

Agora, deve ser claro que as religiões nos fornecem critérios objetivos. Gurus e diretores espirituais não são julgados com base na de suas personalidades carismáticas, mas no grau em que eles estão em conformidade com a verdade da religião em questão, na medida em que eles próprios são condutos perfeitos ou veículos para a verdade. Todo ato ritual por parte do sacerdote católico representa a pessoa de Cristo. Confessamos, não ao Pe. Bob, mas a Cristo. É Cristo que na pessoa do sacerdote efetua a consagração na missa.

Religiões não só nos fornecem critérios objetivos, mas além disso, todas elas compartilham uma visão do homem, que é muito diferente daquela do psicólogo moderno. As premissas que a razão utiliza podem ser derivadas a partir de quatro fontes possíveis: fenômenos mensuráveis ​​(ciência), sentimentos, intelecção, ou revelação. Estas fontes são, assim, tanto internas como externas, tanto superiores e inferiores - sendo a intelecção e a Revelação parte de uma ordem mais elevada do que a razão. Julgamento ou discernimento é parte da intelecção e, portanto, pode observar uma conclusão fundamentada na razão e determinar se é ou não verdade. No entanto, nossos intelectos estão obscurecidos por causa da Queda, e, portanto, necessitamos da Revelação.

Os psicólogos modernos nos dizem que a razão é o maior produto do processo evolutivo. Entretanto, a verdade não depende da razão. Nós não dizemos que algo é verdadeiro, porque é lógico, mas, sim, que é lógico, porque é verdade. Isto pressupõe uma faculdade ainda maior de julgamento ou, para usar o termo de São Tomás de Aquino, "discernimento". Filósofos modernos tentam contornar este problema, falando de "princípios racionais", mas nunca se esqueça de que os princípios podem ser derivados da lógica discursiva. A razão não pode provar sua própria validade, pois princípios compreende-se de forma intuitiva e supra-racional. Como Aristóteles disse: "a pessoa não demonstra princípios, mas percebe-se diretamente a verdade dele ..." Para fazer uso da terminologia escolástica, o intelecto puro, que é o principiorum habitus, enquanto a razão é apenas o conclusionum habitus. Homem então possui razão e, com ela a linguagem, só porque, ao contrário dos animais, ele tem acesso, em princípio, a visão supra-racional. É esta visão supra-racional, intelecção ou intuição que dá ao homem, não só o discernimento, mas certeza: certeza de sua própria existência como um ser, a confiança na capacidade funcional da razão, a capacidade de discernir entre o que é real e o que é irreal, o que é verdadeiro e o que é falso. Intelecção é uma espécie de "visão", uma visão com o "terceiro olho", e não uma conclusão, e é isso que abre ao homem a possibilidade da certeza metafísica.

Deve ficar claro que a intelecção não tem nada a ver com a agilidade mental. Isto é bem evidenciado pelo o que os psiquiatras chamam de " idiotas savants ", pessoas que podem funcionar como um computador, mas que são incapazes de pensar, muito menos a intelecção. Mas, se todos os homens são dotados de um intelecto, por que é que nem todos os homens veem com clareza? As várias religiões respondem de forma diferente. O cristianismo e as religiões semitas veem o intelecto como "nebuloso" e o desejo "enfraquecido" pela Queda. Isso não quer dizer que o homem está privado deles, mas só que não funcionam tão bem como deveriam. O hinduísmo explica a mesma situação pelo que é chamado Mayaand, que retrata o pecado em termos de ignorância. E é precisamente por isso que a Revelação é necessária. Adão, ou homem que vivia na Idade de Ouro, não necessitava de Revelação, uma vez que seu intelecto era claro e ele "andava e falava com Deus." Nós, no entanto, especialmente quando nos aproximamos do final do Kali Yuga, estamos desesperadamente precisando de uma orientação, precisamente por isso que existe a Revelação.

Se as religiões proporcionam ao homem critérios objetivos, elas também afirmam que o homem é capaz de objetividade. O homem é capaz de usar seu intelecto para determinar o que é objetivamente real e de discriminar entre este e o ilusório. Isso exige de sua parte um determinado ato de vontade. O homem deve optar por aceitar esses critérios objetivos ou rejeitá-los, e deve sofrer as consequências decorrentes dessa escolha. Com a liberdade vem a responsabilidade. Esta capacidade de exercer o intelecto e o desejo são qualidades homem partilha com Deus e, portanto, o homem é dito ser feito à "imagem de Deus". Exercitando-os corretamente, participamos da vida divina. O homem moderno, vendo-se como feito à "imagem de uma ameba," não acredita que é possível conhecer a Verdade, ou Deus, que é a essência da verdade, muito menos desejá-lo.  Por isso, ele não acredita que é responsável por nada além de seus colegas amebas. E isso nos leva a um outro princípio de que todas as religiões têm em comum: o homem é responsável e, portanto, quando morre, será recompensado ou punido de acordo como ele usa tanto seu intelecto e seu livre arbítrio. Este princípio está incutido numa variedade de maneiras. As religiões semitas falam do inferno e do céu. O hinduísmo fala da transmigração da alma, da necessidade de nascer de novo milhares de vezes em miríades de mundos antes de ser mais uma vez dado a oportunidade central, que é o homem alcançar mokshaor, a libertação. Budismo descreve isso como o "ciclo de existência."

Mais uma vez, todas as religiões estão de acordo que no homem há uma hierarquia na qual o que é superior deve reinar sobre o que é inferior, em que, finalmente, o Atman deve governar o ego e as várias paixões. Como o Bhagavad Gita ensina, é Krishna, que deve controlar e dirigir a carruagem para que os cavalos passionais, sendo deixados desenfreados, não fujam de controle. Colocando isso em outros termos, todas as religiões defendem uma vida espiritual, cujo objetivo é a santificação do indivíduo. Tudo isso se encontra no fato de que as religiões inculcam um código moral estrito, não como um fim em si, mas como um predispositivo para os fins próprios do homem.

É evidente que as religiões estão de acordo sobre a necessidade da oração para santificar nossas vidas. Não só a oração individual, cuja finalidade é a obtenção de favores particulares e purificação da alma, mas também orações que expressam a gratidão do homem, resignação, tristeza, resolução, e louvor. O homem sempre tem motivos para gratidão. Renúncia é a aceitação com antecedência do não cumprimento de alguma solicitação. Arrependimento ou contrição: o ato de pedir perdão, e do desejo de remediar alguma transgressão. Louvor significa não apenas que nos relacionamos cada valor a sua Fonte última, mas também que nós vemos cada provação em termos de sua necessidade e utilidade.

Outro modo de oração é a meditação, onde o contato entre o homem e Deus se torna um entre a inteligência e a Verdade. Enquanto a oração é subjetiva e volitiva, a meditação é objetiva e intelectual - na linguagem do Vedanta é chamada vichara ou "investigação", levando a Viveka ou a discriminação entre o que é real e o que é irreal. Mas o indivíduo que segue um caminho da meditação faz isso dentro do ambiente cultural de uma determinada tradição que lhe proporciona orações canônicas e pressupõe todas as atitudes da oração volitiva como uma espécie de substrato, japa yoga ou a invocação do Nome Divino, abraçando todas essas atitudes.

Todas as religiões se relacionam para o centro ou origem anterior, uma Idade de Ouro, quando o Fundador "caminhou sobre a Terra", uma espécie de Ram Raj, e, portanto, vêem o presente como uma era de uma degeneração ou apostasia. Agora, em vista disso, não é de estranhar que nenhuma das religiões são utópicas. No entanto é preciso estabelecer distinções, todas as religiões visam que a vida do homem na terra deva seguir um padrão de um modelo divino -  precisamente para que a nossa jornada ou o exílio aqui abaixo possa ser uma que nos oriente e nos leve a uma vida acima. Aqui chegamos a outro ponto importante: o homem moderno e o "ethos do culto" - se puder utilizar tal frase - sonha em criar uma sociedade perfeita na terra, uma sociedade que é, como TS Eliot diz: "tão perfeita que ninguém jamais precisa ser bom." O homem moderno foi, por assim dizer, re-orientado e, em vez de olhar "acima", ele olha "à frente". As religiões sabem que uma utopia terrena é um sonho absurdo. Mesmo no Jardim do Éden existia uma serpente - ou, como diz a Escritura, "só Deus é bom." O erro fundamental daqueles imbuídos com o imperativo utópico é a sua crença mecanicista que se alguém muda a natureza da sociedade ele irá mudar o natureza do homem. Mas cada homem é um reino para si mesmo e deve escolher de estar ou não de acordo com a imagem que ele foi criado. No entanto, tudo isso não quer dizer que o homem não deve, em conformidade com sua natureza e com simples bom senso, tentar superar os males que encontra ao longo da vida - isso não exige liminares, seja divina ou humana. Colocando em termos simples, a pessoa não precisa ser um sábio e saber o suficiente para entrar e sair da chuva. Mas, tentar estabelecer um certo estado de bem-estar com Deus em vista é uma coisa, já procurar instituir um perfeito estado de felicidade na terra à parte de Deus é outra. Em qualquer caso, este último objetivo está fadado ao fracasso, precisamente porque a eliminação duradoura de nossas misérias não depende de nós mesmos, mas de nossa conformidade com o Equilíbrio Divino e no estabelecimento do Reino de Deus dentro de nossa própria alma. Enquanto os homens não se deram conta da santificação "interior", a abolição dos julgamentos terrestres é impossível, pois, como o Buda ensinou, nunca poderemos eliminar, tristeza, doença, velhice e morte. Não é apenas impossível, é até mesmo indesejável, porque o pecador - o homem exteriorizado - precisa sofrimento, para assim expiar seus defeitos e se afastar do pecado; a fim de escapar da própria "exterioridade", da qual deriva o pecado. Do ponto de vista espiritual, o único que toma em consideração a verdadeira causa de nossas calamidades, uma sociedade "perfeita" no sentido mundano, uma sociedade com o máximo de conforto e a chamada "justiça", seria, com os fins últimos do homem frustrados, uma das sociedades mais malignas concebíveis. Aqueles que sonham em libertar o homem de suas antigas frustrações são, de fato, os que estão impondo sobre ele a mais radical e irreparável de todas as frustrações. A Civitas Dei e Progresso mundano, tal como previsto pelo homem moderno, jamais podem se mesclar.

Que tipo de ordem social as religiões defendem? Basicamente, uma com um padrão para - o Reino vindouro - Ram Raj Jaya. Tal não é o capitalismo e, certamente, não o socialismo. Pelo contrário, todas as tradições imaginam aquilo que os economistas modernos descrevem como "distributismo", o que eu gosto de chamar de "suficientismo" - isto é, a maior distribuição possível de propriedade privada proporcionando às pessoas o suficiente para viver com dignidade, como é apropriado a sua posição na vida. Sem a propriedade privada não pode haver nenhuma liberdade. Usura, que está no centro da economia moderna, é proibido por todas as tradições religiosas. Também imagina uma sociedade não-industrial, em que "o artista não é um tipo especial de homem, mas cada pessoa é um tipo especial de artista." As pessoas em tais sociedades eram organizados em guildas que funcionavam não só para proteger os seus membros, mas também para insistir em um alto padrão de produção. O termo "obra-prima" era, dessa forma, aplicado ao trabalho que um aprendiz produzia no final do seu período de formação e que, ao ser julgado pela guilda, davam-lhe a licença para abrir sua própria loja.

Agora, as religiões ainda estão de acordo em várias outras questões. Todos estão de acordo em considerar a família como a estrutura básica da sociedade. Católicos encaram a família como uma mini-igreja, onde o pai tem como seu exemplar Deus. Conforme Arjuna diz no Gita "na destruição de uma família, as tradições familiares imemoriais perecem; no perecimento das tradições, a ilegalidade supera toda a família ... a morada dos homens cujos costumes família se extinguem é um inferno eterno." Esta é uma das razões pelas quais, várias tradições envolvem o ato sexual com tantos tabus ou restrições. Não é a única razão, pois, fundamentalmente, o ato sexual é visto como um ato sagrado, um realizado na imitação dos Deuses. Todos os Antigos Ensinamentos insistem numa estrita moralidade, não como um fim em si, mas como um predispositivo para os fins próprios do homem. Na medida em que ele possui a "liberdade" de pensar por si mesmo, assim também, ele tem a liberdade de agir por si mesmo. Mas ele não tem "direito" a se comportar mal, e quando o faz, ele perde a sua dignidade. O homem só é digno, quando ele está em conformidade com a Imagem Divina. Na falta disso, ele se comporta como um animal. Religiões apresentam uma outra característica. Elas são exclusivas. Todos elas afirmam fornecer a humanidade tudo que é necessário para salvar a sua alma e conhecer a sua verdadeira natureza. Por mais que possam apreciar ou admitir que as outras religiões têm elementos de verdade, são claramente anti-sincréticos. Nenhuma delas defende a criação de uma religião única mundial. E há uma boa razão para isso. Inevitavelmente qualquer um que tente sincretizar religiões, abandona objetividade e se entrega a seus sentimentos pessoais e, assim, torna-se o seu próprio juiz da verdade. Se quisermos deixar sincretismo acontecer, todos vão acabar por beber vinho como os cristãos e tendo quatro esposas como muçulmanos. Não há um mandato divino ou celestial para tal abordagem. Junto com essa atitude anti-sincrética, existe uma outra de igual importância.  Deve-se aceitar a totalidade de uma determinada religião. Não se pode ser meio muçulmano - não é possível aceitar os hadiths do Profeta Maomé e rejeitar o Alcorão. Da mesma forma, o catolicismo ensina que a rejeitar um ponto da verdade revelada, é rejeitar todo o corpo da Revelação. Não se pode escolher.

Uma última pergunta: existe ensinamentos antigos à nossa disposição fora das grandes religiões? A resposta é "sim" e "não". "Sim" no sentido de poder se interessar, por exemplo, na religião do Egito Antigo. Mas "não" no sentido que não se poderia ter acesso à totalidade da religião, e "não", porque cada religião demanda a participação ritual como um pré-requisito para a participação na Verdade.

E assim somos levados de volta à nossa tese original: Ensinamentos Antigos ou Superstições Modernas - uma busca pela autenticidade. Nós demonstramos que as revelações nos fornecem critérios objetivos e que o homem é capaz de objetividade. Temos basicamente três alternativas abertas para nós. Ou não existe uma verdade objetiva absoluta fora de nós mesmos, ou existe uma verdade subjetiva relativista elaborada em nosso interior, ou alguma mistura dos dois. Se aceitarmos a verdade objetiva e usar a nossa capacidade inata de discernir entre o que é real e o que é irreal, somos forçados a recorrer aos Ensinamentos Antigos incorporadas nas grandes tradições religiosas. Simplesmente não há outra fonte objetiva. Se nós nos declaramos ser a fonte do que é verdadeiro para nós, ou se escolhermos entre este e a primeira alternativa, aceitando apenas os antigos ensinamentos que gostamos, somos colocados na posição de um médico que se trata ou de um advogado que é seu próprio advogado. No entanto, uma vez que estamos lidando nem com a nossa saúde física, nem o nosso dinheiro, mas sim com a nossa alma, estamos em essência declarando que seremos nossos próprios guias espirituais. Há um antigo ditado oriental que diz "aquele que toma a si mesmo como guia espiritual, tem Satanás como seu guru." A segunda alternativa é, como apologistas católicos tendiam a dizer, uma situação na qual "cada um se torna seu próprio Papa."

Uma advertência final: quando buscamos nos Ensinamentos Antigos, temos de ter a certeza absoluta que são os antigos ensinamentos que nós estamos acessando. Assim, no que se refere ao hinduísmo, traduções de acadêmicos formados com visões céticas e positivistas do Ocidente moderno, e não familiarizados com a teologia cristã, dificilmente pode-se esperar que produzam trabalhos metafisicamente precisos que possa ser confiável. O comentário também se aplica a muitos tradutores hindus que derivam sua formação das mesmas fontes ocidentais. O mesmo se aplica ao catolicismo e qualquer outra religião. Não se pode mais encontrar a verdadeira doutrina hindu nos escritos de Krishnamurti e Aurobindo, da mesma forma que não se pode encontrar a verdadeira doutrina católica nos escritos de Hans Küng e Karl Rahner.

Do ponto de vista dos Ensinamentos Antigos, o homem é colocado neste mundo para que ele possa saber (jnana), amor (bhakti) e servir (karma) a Deus e, assim, salvar a sua alma (moksha). O desdobramento do potencial humano só pode seguir dois cursos alternativos. Ou o homem está de acordo com a imagem em que ele é criado, e como os primeiros Padres da Igreja diziam: "diviniza" a si mesmo - e é isso que os ensinamentos antigos e métodos ajuda-lhe a fazer - ou ele se faz de si mesmo a fonte tanto doutrina e do método e permanece ligado ao seu ego orgulhoso e a sua experiência psicológica de auto-validação, e condena-se a uma migração permanente através infernos samsáricos intermináveis​​. Nosso potencial humano pode ser resumido em duas alternativas simples, "santidade" ou "condenação", moksha ou a ronda interminável da existência. Céu ou inferno. Em última análise, nada mais importa.

Satyam aevam jayati—Veritas vincit omnia.
Rama P. Coomaraswamy

Um comentário: