sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Um por todos e todos por um: O indivíduo e a comunidade em contextos tradicionais e modernos (Patrick Laude)

O mundo moderno é caracterizado por uma ênfase paradoxal entre os "direitos do indivíduo" e a "necessidade de comunidades” - o "coletivo" e a "consciência social". Por um lado, o "indivíduo" parece ter se tornado um substituto para o Sagrado. A liberdade de opiniões individuais e escolhas parecem ser a pedra fundamental da perspectiva moderna, uma vez que correspondem às reivindicações relativistas e a uma sensação de possibilidades irrestritas. Por outro lado, a pressão da conformidade coletiva e a homogeneização global das massas através da mídia nunca foi tão avançada, de forma que pode ser facilmente demonstrado que nunca houve tão poucos "indivíduos", no sentido de pessoas que baseiam sua identidade em algo diferente de pressões externas e de "tendências" coletivas e "imperativos". Homem moderno está como se estivesse dividido entre essas duas tendências. Ainda assim, ele não pode adotar totalmente nenhum dos lados. Por um lado, a solidão do indivíduo é insuportável para ele, já que dessa forma ele precisa encontrar seu conteúdo e sustento fora de si mesmo, em outros indivíduos ou em grupos. Mas, ao mesmo tempo, ele não pode ser verdadeiramente "comunitário", já que a comunidade não pode simplesmente ser baseada em uma coleção de indivíduos. A verdadeira comunidade encontra sua unidade em algo diferente do que a mera agregação de indivíduos. Na verdade, uma coletividade real é mais do que a soma de seus membros individuais; isto é tanto verdade em um mosteiro, em um nível espiritual, como é em um exército ou um batalhão, em um nível físico e anímico. Agora, a perspectiva relativista e fragmentada que prevalece hoje é claramente incompatível com uma unidade tão significativa.



Em certo sentido, os conceitos convencionais contemporâneos da coletividade podem ser considerados como paródias da universalidade, ou paródias da identidade espiritual. Alguns pensadores argumentam que a luta entre estas duas formas de paródia, na forma de "globalismo" versus "particularismos étnicos e religiosos", poderia muito bem ser entendida como o reinado do Anticristo. Sociedades industriais e democráticas modernas, representantes da "globalização", parecem subordinar seus princípios a ideia do primado do indivíduo como o locus de direitos inalienáveis ​​e busca da felicidade. Este conceito surgiu com o Iluminismo, quando o conceito organicista e holística da sociedade foi substituído pela referência universal para o homem enquanto indivíduo. Mas, na verdade, o globalismo universal, ao afirmar tratar o indivíduo como um valor supremo e como um ideal da razão, se abre para uma atomização da sociedade que deixa o indivíduo sem identidade real, já que ele se tornou um mero elemento mecânico dentro das grades da sociedade industrial. O indivíduo é privado de um centro espiritual, e é até mesmo privado - no ponto extremo dessa atomização - do sustento de grupos naturais e sociais, como a família e a nação. No extremo oposto do espectro, como uma reação à globalização, vemos mais e mais indivíduos fazendo um aparente "auto-sacrifício" por meio de compromissos "religiosos" e nacionalistas que podem levar até a um "terrorismo" na sua forma mais patológica. De uma forma ou de outra, esses indivíduos tornam-se "mártires" para uma causa que é maior do que sua própria existência individual. No entanto, a "absolutização" de identidades "religiosas" ou nacionais que decorrem de tais compromissos também promovem uma "identificação" do indivíduo à causa absolutizada: o "mártir" faz um deus de sua própria paixão "ideológica", tornando assim um deus de si mesmo. Tal identificação corresponde ao que Santo Agostinho profundamente descreveu como o fenômeno paradoxal de um "martírio" para o bem de si mesmo ou, de outro ponto de vista, o martírio para uma causa do "ídolo" ideológico com a qual o ego identificou. Assim como o "individualismo" globalista em última análise resulta em uma supressão do indivíduo, já a "submissão" do particularista a um grupo resulta em formas mais perversas do individualismo. Em contraste com essas paródias ideológicas, o universalismo tradicional nunca é adverso às particularidades autênticas, pois a verdadeira identidade nunca é totalmente fechada para a universalidade. Credos universais como o Budismo, o Cristianismo e o Islam não têm sido exclusivos em cristalizações nacionais e étnicas específicas em sua mensagem. O Budismo de Sri Lanka (ou Cingalês) não é o zen japonês, e uma mesquita chinesa não se parece com uma marroquina.

Trecho do ensaio "One for All, All for One" por Patrick Laude, The Betrayal of Tradition: Essays on the Spiritual Crisis of Modernity

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