domingo, 1 de dezembro de 2013

Notas sobre o Existencialismo (Frithjof Schuon)

A mentalidade ocidental deu origem a quatro perspectivas metafísicas que são perfeitas, ou no mínimo satisfatórias, conforme cada caso, a saber: Platonismo, incluindo o Neo-Platonismo, Aristotelismo, Escolasticismo, Palamismo.

Uma questão: Por que Kierkegaard não era Platônico, nem Aristotélico, nem Escolástico, nem Palamita? Será que é porque ele era um Vedantista ou um Mahayanista? Certamente que não. Consequência: Sua doutrina é nula e sem efeito. A prova disso é que ele rejeita o Cristianismo "institucionalizado", portanto, também a teologia tradicional que sustenta, e ele faz isso em favor de um subjetivismo que não é intelectual (pois nesse caso ele teria reconhecido a metafísica objetiva cujo o modo de expressão necessariamente é racional e abstrato) mas voluntarista e sentimental; de onde provém o seu moralismo subjetivista ou individualista, sua insistência em pensar "existencialmente", sua nulidade do ponto de vista de uma verdadeira e eficaz espiritualidade que salva.

As mesmas observações - mutatis mutandis -se aplicam a Heidegger, com a agravante de que este filósofo decadente não é sequer cristão, em qualquer grau, sendo, na verdade, para colocá-lo resumidamente, um ateu; e quanto a dizer sobre o conceito, completamente antimetafísico e histérico, de angústia?

Pascal não pode ser classificado entre os existencialistas; simplesmente acreditava no racionalismo, sem saber que dados rigorosos para a ciência metafísica pré-existem no intelecto puro; se Pascal é um existencialista, então todo o fideísmo é existencialismo, o que certamente não é assim.

Em nenhum grau o existencialismo é construtivo, pois não tem nenhum direito de criticar o abuso de uma racionalidade cuja natureza ele nem mesmo tem a percepção. Se a crítica do existencialistas para a razão - ou do racionalismo - é justificada, por que eles não se tornam Platônicos ou Vedantistas? De fato, o existencialismo não nos traz para próximo da verdade; para o erro racionalista, que consiste no raciocinar sobre realidades metafísicas ou simplesmente cosmológicas, na ausência de dados intelectuais indispensáveis, o existencialismo acrescenta o erro inverso e substitui, pelo raciocínio do bom ou mau, verdadeiro ou falso, uma experiência que é, de fato, infra-intelectual, um cul-de-sac. Portanto, o movimento existencialista, que é uma reação cega, nos leva a lugar nenhum, e não faz sentido em dizer que "Na Ásia, não havendo separado a razão da intelecção, não precisou-se de um movimento existencialista", além do fato de que a Índia existiu alguns racionalistas como os Chârvâkas, quem na verdade não precisa do existencialismo? Não se pode necessitar de algo falso, algo que não leva a nada. 

Tendo em vista Kierkegaard e outros como ele, como Klages, por exemplo, que apaixonadamente opõe a "vida" pelo "pensamento" e paradoxalmente faz isso usando o pensamento, eu escrevi sobre o assunto: "O que pode ser dito de um filósofo que 'pensa' despreocupadamente sobre a falta de sinceridade, ou a mediocridade, do "pensamento" como tal?” A palavra "despreocupadamente" ("allégrement"), neste caso, significa: sem escrúpulos, sem estar consciente de uma contradição, sem se dar ao trabalho de refletir um pouco, sem manifestar o mínimo de objetividade; afinal de contas, por que um confesso subjetivista seria objetivo? Isso não tem absolutamente nada a ver com Kirkegaard, sendo uma questão exclusivamente do estilo irresponsável do seu pensamento, a sua falta de senso crítico e de proporção. Ele liquidou o "Cristianismo institucionalizado" com uma caneta não é o suficiente? Ele tinha a pretensão de apresentar uma imagem adequada da verdade total e, assim, estar indicando um caminho; bem, ele estava enganado e deve ser rejeitado sem piedade, diria até mesmo: rejeitado com horror. Sobre a questão de saber se ele estava certo em algum momento, não vem ao caso; todo filósofo está certo em algum momento, e isso sem qualquer interesse. O que importa é a doutrina global, suas reivindicações e suas consequências.

O que Kikerkegaard faz contra o pensamento racional nunca poderia coincidir com o que eu faço contra a mentalidade do homem caído, pois faço minha crítica em nome do Intelecto, o qual Kikerkegaard não tinha a menor ideia. Sem dúvida vou ser informado que este pensador, se ele não faz uma crítica em nome da intelecção, pelo menos, ele fez em nome da fé; mas ele era ignorante quanto ao que constitui a verdadeira fé, uma vez que, em nome de sua fé, ele ataca a teologia, que é precisamente uma objetivação indispensável e uma condição sine qua non da fé do coração. A fé de Kierkegaard é individualista, e não santificadora.

Kierkegaard, sem dúvida, tinha um profundo respeito por Sócrates, mas isso é porque ele compreendeu-o muito imperfeitamente; A sinceridade socrática tem fundações diferentes do sincerismo existencialista.  Da mesma forma, a Gelassenheit de Heidegger não poderia ter o mesmo significado e nem o alcance da Gelassenheit de Meister Eckhart, sendo meramente uma falsificação profana e individualista. "Portanto, pelos seus frutos os conhecereis", disse Cristo.

Heidegger "busca" um modo de conhecimento que vai além do pensamento discursivo; isto é bom, mas o pensamento discursivo vale infinitamente mais em si mesmo do que qualquer coisa que um Heidegger pode conceber, buscar ou encontrar.

É óbvio que Kierkegaard teve que admitir o Apocalipse - ou seja a Bíblia - desde que era um protestante; ele tinha um cero mérito em ser Cristão, isto é, acreditar em Cristo, em Deus e na vida eterna; mas ele não tem nenhum mérito especial em admitir o Apocalispe como um princípio ou um fenômeno, a existência do Apocalipse é algo mínimo como um adversário do "Cristianismo institucionalizado". Não admitir o fato do Apocalipse não é ser deísta ou um ateu.

Uma coisa absolutamente ausente nos existencialistas, e que faz reduzir suas teorias a nada, bem como suas atitudes morais, é uma verdade objetiva, metafisicamente integral, quer seja uma teologia ortodoxa ou uma metafísica autentica. Assim, todos seus méritos parciais caem em um vazio. "Aquele que comigo não ajunta, espalha", disse Cristo; o "comigo" aqui é o Logos, e é Ortodoxo no sentido universal, bem como no sentido particular.

É verdade que Kierkegaard observou que a racionalidade quando deixada por si mesmo, ou racionalidade sem fé, ou seja, "racionalismo", não leva a lugar algum; mas então, nem mesmo sua fé subjetiva, por completo - seu existencialismo, se você preferir - leva a lugar algum; e se a objeção é levantada, que essa fé deriva sua inspiração a partir do Evangelho, eu posso responder que o racionalismo também tem sua inspiração a partir de certos dados desde que o homem vive em um mundo que é relativamente real. O Evangelho, no caso de Kierkegaard, arbitrariamente reduzido às fantasias de um indivíduo, é uma experiência limitada para os racionalistas; e se o filosofo Dinamarquês - que era, aliás, um teolólogo muito pobre - tomou como base o Evangelho, então por que ele estava tão longe de entender o espiríto da coisa? Do seu ponto de vista até mesmo o obriga a tornar-se nem mais nem menos do que um santo; mas, na verdade, ele estava infinitamente longe da santidade de um Alberto Magno ou Tomás de Aquino, os quais aceitaram completamente a racionalidade que ele, o subjetivista, rejeitou.

O existencialismo é um substituto pernicioso para a contemplação intelectiva e a santidade. Se os existencialistas, tão imbuído do sincerismo, eram realmente sinceros, seriam santos ou heróis e deixar iam a racionalidade em paz.

Certamente as verdades devem ser encontradas em todos filósofos, sobretudo as meias-verdades, mas essas verdades são acompanhadas de erros e inconsistências; portanto é inútil se debruçar neles. As verdades parciais são apenas aceitadas no domínio da ortodoxia tradicional, porque só são aceitáveis no contexto da Verdade total, o que por si só garante sua exatidão e sua eficácia. Pensar enquanto se nega a Verdade total, que é ao mesmo tempo objetivo e subjetivo, é completamente inconsistente; não se está realmente pensando. 

O subjetivo só pode ser comunicado pelo objetivo. Se Kierkegaard estava certo, a fé não seria comunicável; pois, de modo a ser comunicada, a fé requer meios que são objetivos, portanto, racional. 
Verdades incorporadas em erros estão, indiretamente, repletas com o veneno do seu contexto errôneo. O existencialismo tem, seja protestante ou ateu, promovido nada exceto o individualismo; sem a compreensão das doutrinas metafísicas, jamais a santidade! 

original

Nenhum comentário:

Postar um comentário