terça-feira, 13 de agosto de 2013

A Culpa Probabilística (Aleksandr Solzhenitsyn)



"Sucede que nesse ano de sinistra memória, num discurso que se tornou célebre nos círculos especializados, Andrei Ianuariévtch Vichinski, fazendo apelo ao espírito flexível da dialética (que não é permitida aos simples súditos do Estado, nem agora às máquinas eletrônicas, que dado que para eles o sim é sim, e o não é não), lembrou que, para a humanidade, nunca é possível estabelecer a verdade absoluta, mas apenas a verdade relativa. E vai daí deu um passo que os juristas metafísicos não tinham ousado dar em dois mil anos: o de que, em consequência, a verdade estabelecida pela instauração do processo e pelo próprio processo não pode ser absoluta, mas simplesmente relativa. Assim, ao assinar uma sentença de fuzilamento nós nunca podemos estar absolutamente convictos de executar o culpado, mas só com um certo grau de aproximação, baseados em certas suposições, num certo sentido. Daí a conclusão mais prática: a de que é tempo perdido buscar provas documentais absolutas (elas são todas relativas) e testemunhas irrefutáveis (elas podem contradizer-se). Quanto às provas relativas, ou aproximativas, o juiz pode muito bem obtê-las mesmo sem documentos, sem sair do seu gabinete , “apoiando-se não só na sua inteligência, mas também na sua intuição de membro do Partido nas suas forças morais” (isto é, na superioridade do homem que dormiu, que está saciado e não foi espancado ) “e no seu caráter” (ou seja, na sua vontade ou crueldade)."


Alexander Soljenítsin - Arquipélago Gulag 

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