domingo, 28 de julho de 2013

Treinamento Técnico vs Educação

Vamos estudar a relação da tecnologia em outro campo: dentro da organização das escolas e universidades. Conforme o técnico entra neste campo, ele converte todas as instituições de ensino para seu interesse, ou seja, ele promove a formação técnica, que, como ele afirma, é o único atualizável, o conhecimento útil, prático.

As importâncias das reformas nesse sentido não devem ser subestimadas. Eles constituem um ataque direto contra a idéia de uma "educação encíclica" (encyclios disciplina) que prevaleceu na época clássica e medieval. As consequências desse ataque não é, obviamente, composto apenas no declínio do papel da gramática na educação, no retiro de astronomia e música, no desaparecimento de dialetos e retórica. Esse corte, do que uma vez foi as sete artes liberais [1], apenas a aritmética e geometria sobreviveram, o que não significa nada. A ciência técnica que vem a uma posição de supremacia é tanto empírica e causal. Suas incursões na educação significa a vitória do conhecimento factual sobre o conhecimento integrado. O estudo das línguas antigas é empurrado para o fundo, e assim desaparecem os meios para entender a cultura em sua totalidade. A capacidade lógica do aluno, sua capacidade de dominar a forma de conhecimento está enfraquecida. Conhecimento factual é empírico e assim, tão infinito quanto são as filas intermináveis de causas e efeitos em que é descrito. Nós muitas vezes nos  encontrarmos com um orgulho na acumulação ilimitada de conhecimento factual, o que tem sido comparada a um oceano em que o navio da civilização orgulhosamente navega. Mas este oceano é um tenebrosum mare ("um mar escuro"); um conhecimento que se tornou ilimitado tornou-se também sem forma. Se para a mente humana todas as coisas são igualmente valoráveis, então o conhecimento perde todo o valor. Portanto, pode-se concluir que este conhecimento factual acabará por afogar-se no oceano de seus fatos. Hoje os esforços humanos mais valorosos são inundados pela maré crescente de fatos. Não seria surpreendente se, por estamos cansados dessa vastidão de conhecimento, sentíssemos uma sensação de um peso esmagador sobre nossas costas.

Onde a ênfase é colocada sobre os fatos, à educação se esforça para um conhecimento manual, transmitido para o aluno por meio de pesquisas, perfis, gráficos e estatísticas da matéria. A verdadeira educação é incompatível com este tipo de conhecimento e com este método de ensino, para o empirismo bruto que essa formação tem se tornado, pode ser visto apenas como um empilhamento mecânico de fatos. Esta formação estabelece nenhum fundamento. Ele contém nenhum princípio formação que seria superior a, e que dominaria, o assunto.

Esse ditado duvidoso que diz: "Conhecimento é poder", é menos válido hoje do que sempre foi, pois o conhecimento desse tipo é exatamente o oposto do poder mental, na verdade, ele enerva completamente a mente. Universidades entram em declínio na medida em que o progresso técnico se espalha para as escolas secundárias. A universidade torna-se um centro de formação técnica e serva do progresso técnico. Tecnologia, por sua vez, não deixa de oferecer doações generosas e novos institutos são criados nas universidades que trabalham arduamente para a transformação das universidades em conglomerados de laboratórios especializados.

Deve-se notar aqui que a idéia clássica da educação encíclica, confinada como era para a formação da cultura e da sabedoria, está em forte oposição à idéia de uma enciclopédia das ciências, isto é, um conhecimento que é disposto por ordem alfabética como um dicionário ou enciclopédia. A idéia de uma enciclopédia das ciências pertence ao século XVIII. Conhecimento nessa descrição tem sido o precursor de toda a ciência moderna técnica. É o conhecimento de um Diderot, um D'Alembert, La Mettrie, que declarou que todo o pensamento filosófico ser nulo e sem efeito, que em obras como Histoire Naturelle de l'ame e L'homme a máquina defende um empirismo em que tudo é explicado em termos de reflexos causais entre cérebro e corpo. O pensamento de Hume, seu contemporâneo Inglês, é mais forte e mais fino, mas sua doutrina da associação de idéias, e os princípios de todas as associações possíveis (ele assume a similaridade, contigüidade no tempo e no espaço, e causa ou efeito) levam para o mesmo resultado (Philosophical Essays Concerning Human Understanding and An Enquiry Concerning Human Understanding). De acordo com Hume, as percepções não necessitam de uma substância que os transporta, ele diz que todas as substâncias são apenas compostas de conceitos simples e pensamento. Tais teorias de pensamento associativo sempre tendem a fazer associações materialmente independentes. Hume pode ser considerado o pai espiritual de Ulisses, de Joyce, um livro que faz associação independente, e destrói toda a ordem intelectual tão radicalmente que nada é deixado, senão uma grande pilha de lixo de associações.


Trecho do livro "O Fracasso de Tecnologia" - Friedrich Georg Jünger

Friedrich Georg Jünger (1 de Setembro de 1898, Hannover - 20 de julho 1977, a Überlingen) foi um poeta alemão, autor, ensaísta e crítico cultural. O irmão mais novo de Ernst Jünger, ele se ofereceu para o serviço militar em 1916 e ficou gravemente ferido na Batalha de Langemarck. Após a Primeira Guerra Mundial, ele estudou direito e cameralismo nas universidades de Leipzig e Halle-Wittenberg.

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[1]
As sete Artes Liberais

Foi durante o reinado de Carlos Magno que as Sete Artes Liberais tornaram-se um curiculo disciplinar, para fins de ensino. Organizadas por Alcuino, capelão – mor daquele rei, as disciplinas foram divididas em duas partes: o trivium (retórica, gramática e lógica) e o quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia). Essa divisão já vinha sendo aplicada desde os tempos de Aristóteles, e durante o Império Romano, esse era o currículo que orientava o aprendizado dos cidadãos bem educados de Roma. 

As Sete Artes Liberais estão vinculadas a outros conhecimentos tradicionais e apresentam grandes simetrias com outras disciplinas, especialmente a astronomia. Nesse sentido, é possível fazer uma analogia com o simbólismo dos planetas, relacionando a retórica com Vênus; a gramática com a Lua; a lógica com Mercúrio; a aritmética com o Sol; a música com Marte; a geometria com Júpiter e a astronomia com Saturno. 



Nos tempos de Roma, e mais tarde, durante a época de Carlos Magno, o estudante das Artes começava a sua vida escolar aos catorze anos, estudando, em primeiro os chamados “três caminhos” do trivium, que o monge Pedro Abelardo (1079-1142) chamava de os três componentes da ciência da linguagem. Essa tríplice disciplina era composta pela gramática (a ciência de falar sem erro), a dialética, (a aprendizagem que consiste em saber distinguir o verdadeiro do falso), e a retórica, que é a disciplina que nos ensina a arte da persuasão

O trivium era o que poderíamos chamar, numa analogia com a educação moderna, o primeiro grau do aprendizado. De fato, para o aluno poder aprender outras coisas era preciso primeiro aprender a falar, a escrever e a pensar. Por isso tinha que aprender gramática, retórica e dialética. Sem esses conhecimentos, dificilmente o estudante conseguiria acompanhar o difícil e rigoroso método escolástico de ensino, que se fundamentava principalmente na lógica de Aristóteles. Depois vinha o quadrivium, como uma espécie de segundo grau, para complementar o aprendizado do estudante. Em algumas escolas americanas, especialmente aquelas que seguem o modelo clássico, ainda se trabalha com um currículo semelhante, para os alunos que desejam tornar-se Master-of-Arts. No Brasil, até algumas décadas atrás, o chamado ensino clássico também guardava alguma semelhança com esse modelo.

A importância do trivium é que cada elemento contém potencialmente as habilidades filosóficas exigidas para a vida intelectual madura. É uma pena que esse sistema tenha sido banido das escolas brasileiras, substituído por um currículo que só sobrecarrega a mente do aluno com  informações, ( muitas vezes inúteis para a careira que ele escolheu, ou mesmo para os seus projetos de vida) sem ensiná-lo a usá-las adequamente. 

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