quarta-feira, 26 de junho de 2013

Sobre a homossexualidade (Julius Evola - Metafísica do Sexo)


Dada a sua difusão, a homossexualidade é um fenômeno que não pode ser ignorado por uma doutrina do sexo. Goethe escreveu que «este fenômeno é tão antigo como a humanidade, pelo que pode dizer-se que faz parte da natureza, embora seja contra ela». Assim como constitui «um enigma que quanto mais se procura analisar cientificamente tanto mais misterioso se torna» (Ivan Bloch), também do ponto de vista da metafísica do sexo, formulada nas páginas anteriores, constitui um problema complexo.

Já assinalamos que Platão na sua teoria do eros, se referia com freqüência não somente ao amor heterossexual, mas também ao amor de efebos e amantes. Ora se considerarmos o eros, nas suas formas sublimadas que se ligam tanto ao fator estético que, segundo a já mencionada afirmação platônica, da beleza de um dado ser se passaria deste modo ao encanto que pode suscitar uma beleza impessoal, incorpórea, uma beleza divina no sentido abstrato, não se levanta verdadeiramente qualquer problema quando o ponto acidental de partida é colocado no ser do mesmo sexo. O termo «uranismo», usado como alcunha da homossexualidade, deriva portanto da distinção platônica de uma Afrodite Urânia e de uma Afrodite Pandémia; a primeira seria a deusa de um amor nobre e não carnal, não voltado para a procriação, como aquele que tem por objeto a mulher. Assim a pederastia, o Paidon Eros, pode ter em certa medida este caráter na sua origem quando foi celebrada por escritores e poetas antigos e praticada até por personalidades eminentes. Bastará, contudo, ler as últimas páginas de «O Banquete» com o discurso de Alcibiades, para nos apercebermos de quão pouco este Eros se mantinha platônico na Hélade, e como, ao contrário, apresentava um desenvolvimento carnal, o que se verificou com uma freqüência cada vez maior à medida que se dava na Grécia, e sobretudo em Roma, a decadência deste costume antigo.

Se portanto aceitamos a homossexualidade nestes termos, como correspondência completa com as relações sexuais normais entre homem e mulher, poderemos com razão falar de um desvio, não de um ponto de vista comum moralista e convencional, mas justamente do ponto de vista de uma metafísica do sexo.

Será uma incongruência aplicar-se, tal como fez Platão, o significado metafísico comum do mito do andrógino ao amor homossexual, ou seja, ao amor entre pederastas e entre lésbicas. Com efeito, para esta espécie de amor não poderá já falar-se dos princípios inatos masculino e feminino fundidos no ser primordial: o ser mítico original deveria ter sido, então, não andrógino mas homogêneo, monossexual; cada homem (no caso dos pederastas) ou cada mulher (no caso de lésbicas) e os seus amantes procuram unir-se como simples parcelas de uma mesma substância: surge, portanto, o essencial, isto é, aquilo que confere ao mito todo o seu valor, ou seja, a idéia da polaridade e da complementaridade sexual como fundamento do magnetismo do amor e de uma transcendência no eros, da revelação fulgurante e destrutiva do Uno.

Assim, ser-nos-á necessário, a título de explicação, baixar de plano e considerarmos várias possibilidades empíricas. Primeiramente distinguem-se na sexologia duas formas de homossexualidade: uma de caráter congênito e de constituição, a outra de caráter adquirido, condicionada por fatores psico-sociológicos e ambientais. Na segunda deve, porém, fazer-se a distinção entre formas apresentando características de vício e formas pressupondo uma predisposição latente que, em dadas circunstâncias, se transforma em ato: condição necessária, porque em idênticas circunstâncias determinados tipos se comportam de modo diverso não se tornando homossexuais. É contudo importante não considerar a configuração constitucional de um modo estático, admitindo até uma certa possibilidade de variações.

A explicação mais simples para a homossexualidade «natural», ou seja, a que é devida a predisposição, é-nos dada por aquilo que já dissemos sobre os diversos graus da sexualidade quanto ao fato deste processo, nos seus aspectos físicos e ainda mais nos psíquicos, poder estar incompleto, pelo que a bissexualidade original é superada num grau menor do que o do ser humano «normal», pois os caracteres de um sexo não são predominantes em igual medida relativamente aos do outro sexo. Depararemos então com aquilo que M. Hirschfeld chamou as «formas sexuais intermédias». Em casos destes (digamos, por exemplo, quando um ser anagraficamente homem, o é somente a 60%) é possível que a atração erótica geralmente baseada na polaridade dos sexos, portanto na heterossexualidade, e que é tanto mais intensa quanto mais o homem é homem e mulher a mulher, nasça também entre indivíduos que, segundo o estado civil, e para aqueles que observam somente os caracteres sexuais ditos primários, são do mesmo sexo, pois na realidade são «formas intermédias». Ulrichs disse muito acertadamente, para o caso dos pederastas, que podemos encontrar-nos diante de uma anima muliebris virili corpore
innata.

Deveremos, contudo, ter em conta as já mencionadas possibilidades de mutações de constituição, muito pouco tratadas pela sexologia. Deveremos também ter presentes os casos de uma regressão. Pode suceder que o poder dominante de que depende, num dado indivíduo, a sexualidade, o ser verdadeiramente homem ou verdadeiramente mulher, com a neutralização atrofie ou reduza ao estado latente os caracteres do outro sexo e os enfraqueça, o que pode resultar na ativação e aparecimento destes caracteres recessivos. O ambiente e o clima geral de uma sociedade podem ter neste caso um papel importante: numa sociedade em que prevaleça o igualitarismo, onde as diferenças são contrariadas, onde se favorece a promiscuidade, onde o antigo ideal do «ser igual a si mesmo» já nada diz, numa sociedade deteriorada e materialista, é evidente que o fenômeno de regressão, e com ele a homossexualidade, estão particularmente favorecidos, não sendo mero acaso o
impressionante incremento do fenômeno da homossexualidade e do «terceiro sexo» na «democrática» época atual, o mesmo sucedendo também com as mudanças de sexo que se verificam numa medida que parece não ter tido equivalência em épocas anteriores.

Porém a referência às «formas sexuais intermediarias», a um processo incompleto de sexualidade ou a uma regressão, não explica todas as variedades de homossexualidade. Existiram, com efeito, homossexuais masculinos que não eram efeminados nas «formas intermédias», e igualmente homens de armas, indivíduos decididamente viris no aspecto e no comportamento, homens potentes que tinham ou podiam ter tido à sua disposição as mais belas mulheres. Esta homossexualidade não é fácil de explicar e tem-se o direito de, neste caso, falar de desvio e perversão, de um «vício» relacionado eventualmente com uma moda. Não se compreende, com efeito, o que pode impelir sexualmente um homem verdadeiramente homem para um indivíduo do mesmo sexo. No caso da experiência do amor heterossexual, se é quase inexistente o material adequado para o que acontece no acume do orgasmo, mais ainda isso acontece quanto ao ato sexual entre pederastas. Porém, neste caso, há razões para supor que não passará de um sistema de «masturbação a dois», que no «prazer» se cultivam um ou outro reflexo condicionado, faltando os pressupostos não puramente metafísicos, mas também físicos, para uma união completa e destrutiva.

Por outro lado, observa-se na antiguidade clássica não tanto a pederastia exclusivista, inimiga da mulher e do matrimônio, como a bissexualidade, o uso das mulheres e dos adolescentes (como contrapartida, são geralmente muito numerosos os casos de mulheres muito sensuais, e por isso também muito femininas, que são ao mesmo tempo lésbicas bissexuais) parecendo a motivação predominante ter sido a de «quererem experimentar tudo». Contudo, este aspecto também não é bem claro porque, aparte o fato de os efebos, os adolescentes, serem preferidos dos pederastas, como se fossem mulheres, poderemos referir-nos à expressão bem crua que Goethe extraiu de um autor grego: «se estamos fartos de uma rapariga como rapariga, ela poderá ainda servir de rapaz» («habe ich als Mãdchen sie salt, dient es als Knabe noch»).

Quanto ao argumento do ideal da unidade hermafrodita no pederasta que sexualmente se utiliza tanto de homens como de mulheres, será obviamente fictício se com ele se pretender ir mais além do «querer experimentar tudo» no plano das simples sensações: a unidade andrógina pode ser somente «suficiência», e essa não precisa de um outro ser, vai procurá-lo no plano de uma realização espiritual quando se excluem os deslumbramentos que a «magia a dois» pode oferecer na união heterossexual.

Também não é convincente a motivação frequentemente encontrada em países como a Turquia e o Japão de que a homossexualidade dá um sentimento de potência. Pode experimentar-se o prazer do domínio tanto com mulheres como com outros seres em situações estranhas às ligações sexuais. De resto, e no presente enquadramento isso poderia estar em causa apenas num contexto absolutamente patológico, e quando em presença de um verdadeiro orgasmo.

Assim, quando neste conjunto a homossexualidade não é «natural», isto é, explicável em termos de formas incompletas constitucionais de sexualidade, não poderá ter o caráter nem de um desvio nem de um vício ou de uma perversão. E se juntássemos alguns exemplos de extrema intensidade erótica relativamente a homossexuais, deveríamos encontrar a explicação na possibilidade de deslocação do eros. Com efeito, basta folhearmos qualquer tratado de psicopatia sexual, para vermos em quantas situações inconcebíveis (desde fetichismo até à sodomia animal à necrofilia) a potencialidade erótica do ser humano pode ser ativada, muitas vezes até a um frenesi orgástico. Poder-se-ia, pois, fazer entrar a homossexualidade nesse quadro anômalo, embora esses casos sejam bastante menos freqüentes: um Eros deslocado, ao qual um ser do mesmo sexo serve como em tantos casos de psicopatia sexual, como apoio ou simples causa ocasional, faltando-lhe completamente toda a dimensão profunda e todo o significado superior da experiência devido à essência das premissas ontológicas e metafísicas para tal necessárias. Se, como veremos adiante, em certos aspectos do sadismo e do masoquismo se podem encontrar elementos susceptíveis de ter lugar na estruturação mais profunda da erótica heterossexual, tornando-se perversões somente quando se absolutizam, o mesmo não sucederá no que diz respeito à homossexualidade.

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